EM DEBATE

As discussões do V Congresso do PT sobre o futuro do partido e do país estão nas seis teses inscritas ao encontro. A condução da política econômica, a relação do partido com o governo e a estratégia e organização partidária são debatidas nos artigos a seguir

“Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”

Militância socialista

Resgatar o petismo no PT!

Iniciar o “giro”

“Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”

Nesse momento de intensa reflexão em virtude do V Congresso do PT, mas também da crise política que estamos atravessando, nos inspiramos em Rosa Luxemburgo para debater as tarefas e desafios do partido para o próximo período.

Precisaremos ceder menos ao conformismo e à conciliação de classes, revisar rumos e pressupostos equivocados, investir no pluralismo interno, no enfrentamento à burocratização partidária e à centralização decisória, em geral apresentada com roupagem salvacionista.

Não devemos esquecer que nossa vitória em 2014 foi apoiada pela combinação da parcela da população que rompeu os grilhões da miséria com a juventude que foi para as ruas e redes sociais defender um projeto progressista de presente e futuro. A aliança popular estratégica desses segmentos com os trabalhadores e trabalhadoras deve ser a base essencial de sustentação do governo Dilma. E todas as medidas tomadas devem perceber o impacto que podem gerar nesses segmentos.

O Brasil de hoje é radicalmente diverso do que foi nas décadas passadas, em razão inclusive das mudanças positivas que construímos, e para dialogar com os novos anseios do povo a esquerda precisará passar por uma necessária reinvenção que conjugue o combate tanto às desigualdades materiais quanto às pós-materiais. O enfrentamento às desigualdades sociais deve seguir como parte estruturante do nosso programa, que deverá se abrir ao campo de demandas identitárias, libertárias e de novos direitos que se descortinou no último período.

No plano do combate à desigualdade social, durante os últimos anos inovamos ao negar o receituário neoliberal e ortodoxo. Defendemos o emprego por meio de investimentos em capital fixo (infraestrutura) e humano e sustentamos o investimento em políticas sociais. Em tempos de crise, porém, será preciso fazer escolhas e contrariar interesses para dar continuidade a essas políticas e avançar. Só será possível crescer e distribuir renda com reformas estruturantes como a tributária, a urbana, a agrária, a política, a taxação das grandes fortunas e a democratização da mídia. Também será necessário enfrentar a política de terceirizações, reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais e extinguir o fator previdenciário, assegurando dignidade aos trabalhadores e às trabalhadoras.

A conjuntura é desfavorável à realização dessas mudanças estruturais, e dois aspectos contribuíram para compor a atual correlação de forças: o afastamento do PT das lutas sociais e dos movimentos organizados e a adesão a um discurso de preferência pela técnica em desfavor da política. No primeiro quadro, podemos incluir a dificuldade de implementarmos políticas reais de democracia participativa – que é muito mais do que as importantes conferências nacionais – e de construirmos as transformações do país por meio do aprofundamento de uma cultura democrática e da consciência de classe. No que diz respeito ao desprezo à política, este se revela na desatenção às bancadas petistas no Parlamento, no descompromisso com a manutenção de bases sociais com vistas à ampliação do número e da qualidade de nossa atuação no Congresso Nacional, fatos que resultaram no crescimento das bancadas conservadoras e num comando na Câmara dos Deputados voltado à permanente construção de iniciativas de desestabilização e retrocessos.

Experimentamos os limites da política de conciliação de classes, e, ainda que tenhamos avançado muito, devemos reconhecer que ela nos impede de seguir adiante. Não se trata de um debate sobre as alianças que fizemos, mas sobre a dificuldade de a hegemonia política da esquerda perdurar num quadro amplo de alianças. A melhor possibilidade para destruirmos as ações golpistas da direita e de setores oportunistas que corroem o governo por dentro é combinar a construção de uma frente ampla, democrática e de esquerda na sociedade, com força para influenciar as instituições, sobretudo o Parlamento. É ilusório investir exclusivamente na sustentação parlamentar, sem ampliar as bases sociais de apoio ao governo. É de altíssimo risco assumirmos a agenda dos conservadores na economia ou em qualquer outra área, tanto por comprometer a continuidade das nossas políticas como pelo potencial de afastamento de nossa base social. Ou revisamos nossa tática e nos reposicionamos no cenário político, ou seguiremos os passos dos partidos social-democratas, que se desconectaram da luta social e tornaram-se incapazes de disputar hegemonia para a construção de um outro mundo possível.

Os desafios são inúmeros, e infelizmente o governo tem muitas vezes se colocado tímido diante dessas necessidades. Não é razoável um cenário de cortes de investimentos, de iniciativas econômicas de caráter recessivo. Ainda que no Congresso Nacional apoiemos nosso governo, não podemos deixar de nos perguntar qual o sentido de realizar um ajuste fiscal que atinge a base da pirâmide, corta R$ 70 bilhões em investimentos da União, se o aumento de 6 pontos percentuais na taxa Selic desde o final de 2014 onera o pagamento dos juros em R$ 120 bilhões. Estamos fazendo escolhas que podem vir a inviabilizar as políticas sociais e estimular o setor privado a deixar de investir na produção e na geração dos empregos, para se voltar à especulação financeira.

No centro desta contínua crise alimentada no Parlamento e na seletividade dos meios de comunicação contra nossos ideais estão questões que vão além da ordem política e econômica. A satisfação das demandas materiais primárias de amplos setores possibilitadas pelo combate à pobreza permitiu a popularização de outras, como a defesa do desenvolvimento ambientalmente sustentável, do acesso à cultura, do direito à cidade, à participação social, à qualidade de vida e à diversidade. Se os setores mais retrógrados voltaram a ganhar espaço, os movimentos de luta por reconhecimento, respeito e liberdade também têm mostrado sua força social. Esses novos direitos já começam a adentrar nosso discurso, mas muito ainda precisa ser feito para lhes darmos consequência prática, seja como governo, seja enquanto partido.

As violações sofridas pelos segmentos sociais historicamente discriminados vão desde a negação de oportunidades de emprego e educação, ao gozo de ampla gama de direitos humanos, até agressões sexuais, tortura e homicídios. Esses abusos tendem a ser agravados por outras formas de violência baseadas na sobreposição de situações de vulnerabilidade. Precisamos dar resposta a esse estado de coisas, não podemos mais conviver com o racismo, em especial o institucional, e o genocídio da juventude negra; com a violência doméstica, a mercantilização da vida das mulheres e a guerra constante contra direitos sexuais e reprodutivos; com a homofobia que mata, mutila e destrói vidas todos os dias; e com tantas outras chagas estruturantes de nossa sociedade, fundamentadas no preconceito e na intolerância.

O PT, por sua vez, não pode incorporar um discurso utilitário com relação às mulheres, aos negros e negras e à juventude e assumir a postura conservadora de revisão da paridade de gênero, das cotas étnico-raciais e geracionais, culpabilizando esses setores pelos problemas que enfrentamos. Aliás, o diagnóstico da crise poderia ser o exato oposto: de que a permanência dos mesmos dirigentes na estrutura partidária durante vários anos estagnou a visão do PT sobre a sociedade, e por isso seria necessário encampar um processo de renovação de quadros e oxigenação do partido.

Devemos iniciar um processo real de empoderamento daqueles e daquelas que ao longo desses 35 anos ocuparam posição de subalternidade na nossa organização, sem que isso signifique prescindir de quadros que muito têm a contribuir em diferentes lugares e funções. Precisamos engendrar esforços para a construção de uma juventude de massas e com autonomia política, que tenha condições de apresentar suas formulações críticas e pressionar o partido para a esquerda.

Acreditamos que nesse contexto de mudanças internas seremos mais capazes de afastar o pragmatismo sem critérios, promover uma autocrítica profunda sobre a adesão à política feita mais com recursos financeiros do que com ação militante e dirigente e rejeitar em qualquer lugar e com total veemência a corrupção, como sempre o fizemos, em nossa história. Não podemos permitir que continuemos sob ataque nesse campo!

Precisamos superar o atual formato de escolha das direções do partido, que a cada processo se torna mais burocrático e despolitizado, aprofunda nossas contradições e traz para o seio do PT distorções e vícios característicos da democracia formal burguesa que tanto criticamos. Reafirmamos ainda a defesa do fim do financiamento empresarial da política (campanhas e partido).

O tempo não para, e a ofensiva de direita está em curso. Nossa melhor alternativa para vencê-la, mais uma vez, é reagirmos, recusando a estagnação como destino, seja na vida partidária, seja nos governos que nos foram confiados pelo povo. A inquietude define a esquerda e o PT; se ela morre, o projeto mais generoso de pão, terra, liberdade e direitos humanos sucumbe com ela. A crise em curso chegará ao seu final. Se a solução se der pela esquerda, renovaremos nosso projeto e a esperança de milhões de brasileiros e das forças progressistas no mundo. Se for pela direita, a conta terá sido paga pelos pobres e destruiremos nosso próprio legado e nosso projeto de futuro. O PT sabe o rumo a seguir.

Jorge Branco é membro do Diretório Nacional do PT

Maria do Rosário é deputada federal (PT-RS) e membro do Diretório Nacional do PT

Tássia Rabelo é coordenadora nacional de Direitos Humanos da Juventude do PT

Militância socialista

Somos petistas e socialistas.

Sonhamos com uma sociedade mais humana, democrática, sustentável e culturalmente libertadora. Lutamos contra o sistema capitalista, contra o aumento das desigualdades e contra o desrespeito aos direitos humanos (machismo, homofobia, violência contra os pobres, índios, negros e outras culturas).

Não somos daqueles que acham que a missão do PT se resume a disputar eleições e ganhar governos. Isso é muito importante, mas não é o fim, sim um meio para promover uma justa distribuição das riquezas materiais e acesso democrático aos bens culturais, promover a ampliação do tempo livre e o acesso aos bens comuns de uso coletivo (saúde integral, água, alimentos, habitação, energia, vestuário, proteção social, mobilidade, cultura, esporte e lazer).

Enfim, num sistema socialista, as pessoas devem ser sujeitos autônomos, com as necessidades básicas garantidas que lhes permita decidir sobre sua vida, sua liberdade e sua individualidade, sem sofrer dominação, discriminação e opressão. A democracia vai além do direito de votar e ser votado, ou da democracia de mercado, ou da democracia do monopólio da mídia.

Um mundo em crise

A crise de 2008 nos países ricos continua tendo efeitos: perda de direitos sociais, redução de salários, aumento do desemprego, maior agressão aos recursos naturais e aumento do endividamento. Num primeiro momento propiciou aos países em desenvolvimento um crescimento acima da média mundial, mas agora bateu à porta de China, Rússia, Índia, África do Sul e também do Brasil, que até então investiu num modelo de mercado de consumo interno de massas e na elevação da renda dos mais pobres.

A política de austeridade imposta pela Troika (União Europeia, FMI e Banco Central Europeu) foi derrotada pela esquerda na Grécia, com o Syriza, e na Espanha, com o Podemos. Na América Latina, depois de um “progresso econômico”, entre 2002 e 2013, os mais de 60 milhões de pessoas que saíram da pobreza extrema correm o risco de voltar a ela no caso de agravamento da crise. Apontar caminhos para superá-la significa ter opção política, significa disputa de projeto, sem ajuste fiscal, mas com taxação das grandes fortunas e heranças para mexer nas estruturas de concentração de riqueza.

O legado petista

Lutamos contra a ditadura e construímos um partido de massa, disputamos todas as eleições presidenciais desde 1989, governamos nas três esferas do Executivo, revolucionamos o modo de fazer política com participação popular e com inversão de prioridades, lutamos por mais direitos e fomos implacáveis na fiscalização e no combate a corrupção. Ao longo do tempo, porém, alguns mandatos petistas acabaram abandonando essas bandeiras e optando pelo viés pragmático, fazendo governos tradicionais, e iniciaram nossas principais contradições no âmbito institucional. Temos de nos orgulhar da nossa história, mas ao mesmo tempo precisamos ter a humildade de reconhecer nossos erros e apontar soluções para superá-los.

Em 2002 inauguramos um ciclo de crescimento com distribuição de renda, apostando num mercado de consumo de massa, melhorando a vida dos de baixo, sem mexer nos de cima, caracterizado como lulismo.

Foram muitas conquistas importantes do Estado como indutor do desenvolvimento, protagonizamos o maior e melhor programa de transferência de renda do mundo, ampliamos e facilitamos o crédito e a construção de casas populares, houve um grande salto na valorização do salário mínimo e os menores índices de desemprego de toda a história, uma grande expansão e criação de universidades e escolas técnicas – enfim, registramos uma redução significativa da miséria e da desigualdade social e um processo de mobilidade social como nunca antes visto no Brasil.

Contudo, não houve reformas estruturais do Estado e mesmo as econômicas e sociais mais profundas foram adiadas em nome da governabilidade, como a reforma tributária, política e agrária e a regulamentação do mercado da mídia.

Alianças garantiram avanços, mas custaram recuos programáticos e simbólicos com o atraso e oligarquias regionais. Reconhecemos avanços no combate à corrupção, através da Lei de Acesso à Informação, do Portal da Transparência, do fortalecimento das carreiras de Estado e da fiscalização da aplicação dos recursos federais repassados aos municípios através da Controladoria-Geral da União, mas ainda há muito que fazer para superar essa doença sistêmica do capitalismo e da cultura patrimonialista que sobrevive no Brasil.

Fruto desses avanços, cresceu uma nova geração de brasileiros, que não têm a memória do neoliberalismo, do desemprego, da conivência com a corrupção, e não reconhecem a melhora de vida de grande parte da população como mérito do PT. Essa nova geração já incorporou os benefícios deste ciclo desenvolvimentista e coloca outras pautas, que não são revolucionárias, mas sim populares, voltadas à melhoria da qualidade de vida. Ao mesmo tempo, somos atacados pela mídia e pelos nossos adversários políticos e de classe, que combinam o ódio contra o PT alimentado pela pauta da corrupção com o terrorismo econômico.

O ódio contra o PT aflorou os valores mais antidemocráticos da velha e jovem direita brasileira, na forma de xenofobismo contra os nordestinos, racismo, machismo, homofobia, ojeriza aos pobres. A recente eleição marcou o fim de mais um ciclo político e o cenário atual e futuro requer uma reflexão mais profunda do que uma simples avaliação eleitoral – requer um debate de projeto político de longo alcance. Para viabilizar um novo ciclo de desenvolvimento para o Brasil é preciso começar a estabelecer novos parâmetros desde já e perseguir essa estratégia por um longo período.

Um projeto para o futuro do Brasil

Diante dos desafios futuros que se vislumbram, precisamos ser otimistas e propositivos. Assim, apresentamos uma agenda política para o Brasil pautada nas seguintes diretrizes:

  • Protagonismo do Brasil no cenário internacional;

  • Continuação do combate às desigualdades como eixo estratégico do desenvolvimento, com desoneração da produção, taxação das fortunas, heranças e lucros, além da transformação das políticas de distribuição de renda em direitos de seguridade social e economia solidária;

  • Brasil potência econômica, mas também potência política, social e, mais ainda, potência ambiental e energética;

  • Estado forte e indutor do desenvolvimento, com um planejamento de curto e longo prazo que combine investimentos em infraestrutura e políticas estratégicas;

  • Reforma política que mobilize a sociedade para debater amplamente através de assembleia constituinte exclusiva e soberana;

  • Democratização dos meios de comunicação;

  • Política de trabalho decente, avanços dos direitos trabalhistas, 40 horas semanais, equiparação de salários entre homens e mulheres na mesma função;

  • Políticas sociais, resgate e garantia dos direitos humanos, fim de todos os tipos de violência – familiar, social e de Estado, contra as mulheres, os pobres, os negros, os povos indígenas, LGBT, idosos e crianças;

  • Empoderamento feminino, fim de toda forma de opressão e violência, ampliação das políticas públicas para as mulheres;Efetivação dos direitos constitucionais, como reforma agrária e urbana, regularização das terras quilombolas, ilhas amazônicas, demarcação das terras dos povos indígenas e Unidades de Conservação;

  • Novo ciclo de políticas públicas, discutidas no âmbito local, de caráter emancipatório, segundo concepção da educação popular, que permita a emancipação política, social e cultural dos trabalhadores e trabalhadoras.

Modelo organizativo e agenda partidária

O programa petista deverá se transformar no parâmetro para nossa organização e no conteúdo para nossa propaganda política e disputas institucionais. O PT precisa retomar o conceito de disputa de hegemonia, articulando a ação institucional e as lutas dos movimentos sociais com base numa forte organização interna. Por isso propomos: Combinar democracia direta e representativa nos fóruns e instâncias, democratizar os fóruns internos, dando poder de decisão aos encontros partidários, organizando núcleos do partido e fortalecendo as políticas setoriais; Atualizar a estratégia de recrutamento de novos filiados que leve em conta, além de um enfoque de classe, um recorte etário, de gênero e étnico; Reorganizar os sistemas do PT (SisFil, SisPed, Sace, Comunidade PT), tornando-os mais integrados, para que os dados possam servir na organização e comunicação dos diretórios municipais; Valorizar mais nossas inovações organizativas, como a paridade de gênero, as cotas para jovens e étnico-raciais, e avançar para as cotas de pessoas com deficiência; Ressaltar a importância do limite de três mandatos para o mesmo cargo no Poder Legislativo e retomar o papel dos mandatos genuinamente petistas.

O PT não deve menosprezar o efeito político e para a imagem do partido de qualquer denúncia sobre corrupção. Precisa reagir, se posicionar, acompanhar as denúncias com transparência, com amplo direito de defesa, e se posicionar favorável às punições.

O PT deve desenvolver os próprios canais de comunicação abertos, com TV, rádio, web e jornal diário, assim como, no âmbito das artes, promover festivais, mostras e outros grandes eventos em todos os níveis. Uma organização sem instrumentos de comunicação de massas é incapaz de disputar a opinião pública.

*Síntese da Tese da Militância Socialista ao 5º Congresso Nacional do PT, discutida de 15 de dezembro 2014 até 15 de março 2015, em dezesseis estados e coordenada por José Roberto Paludo .

José Roberto Paludo é membro do Diretório Nacional do PT e coordenador Nacional da Militância Socialista

Resgatar o petismo no PT!

Resgatar o petismo no PT!

Pela primeira vez, o agrupamento Diálogo e Ação Petista (DAP) se apresenta com contribuição própria ao congresso do partido, inspirada na atualidade do Manifesto de fundação do PT de 1980: “O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode absorver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados”.

O PT está em risco

O governo, com o Plano Levy, não acalma o "mercado", mas se aparta do movimento popular, frustra a militância e expõe sua base social.

A continuar, esse modelo põe em risco a sobrevivência do PT. Se insistir em apoiar tal ajuste, o partido vai perder não apenas as eleições municipais de 2016, mas a própria base social, como aconteceu com o partido socialista Pasok, na Grécia.

Não!

Em nenhuma hipótese os petistas aceitam que o PT, fundado há 35 anos para defender os direitos dos trabalhadores, seja o agente do ajuste, despejando no lombo deles – através das MPs 664 e 665 – a crise gerada por especuladores, multinacionais, empreiteiros e agroexportadores que tanto lucraram!

Mas como chegamos a essa situação?

A resposta pode ser buscada em algumas das escolhas feitas ao longo dos anos. A principal delas foi a adaptação ao sistema herdado dos militares, de Collor e de FHC – as instituições econômicas, sociais e políticas do Estado submissas ao capital financeiro internacional. Criado para transformar esse sistema, o PT se adaptou a ele, como na “política de alianças” dentro do “presidencialismo de coalizão” que, desde 2002, diminuiu a bancada federal de 91 para 69 deputados.

Queremos as mudanças que o povo votou! Abaixo o Plano Levy!

Não aceitamos a chantagem da direita, também instalada na “base aliada”. Tampouco vestimos a carapuça que nos querem impingir.

Queremos que o governo faça o que tem de ser feito: a reforma agrária, que retrocedeu no último período, com o declínio das desapropriações; a reforma urbana prometida; que recupere o petróleo para a Petrobras, 100% estatal; que destine os recursos do Orçamento para os serviços públicos de qualidade – educação, saúde, transporte, entre outros.

Mudança é reindustrializar o país e defender a economia nacional. Mudança é abandonar as metas de superávit primário, começando por regulamentar em lei a renegociação da dívida dos estados e municípios com a União, bloqueada pelo Plano Levy. Ele está paralisando o país, as obras do PAC, os ministérios, as universidades públicas, o Fies, a terceira fase do Minha Casa, Minha Vida, e forçando estados e municípios a fazer mais cortes.

Constituinte para a reforma política!

Mudança, por fim, é fazer a reforma política. “Com esse Congresso não dá.”

Uma constituinte soberana e exclusiva, para fazer a reforma política e abrir caminho à reforma do Estado de cabo a rabo, deve, pelo menos, ser unicameral (sem Senado), proporcional (um eleitor, um voto), com voto em lista preordenada (paritária) e sem financiamento empresarial.

Somos a favor de abolir o financiamento empresarial, mas só isso não é uma reforma, até porque o balcão de negócios do Congresso já funciona via caixa dois. Somos pelo financiamento público exclusivo.

Por fim, um alerta sobre a proposta da OAB e da CNBB. Elas devem ser aliadas na luta contra a PEC da Corrupção de Cunha, mas seu projeto iguala os partidos às ONGs, sem mandato, e "judicializa" a vida partidária. É uma reforma sem povo, não prevê plebiscito nem constituinte.

É a questão-chave: dar a palavra ao povo, plebiscito, constituinte!

A mídia sabe bem a ligação da luta pela reforma do Estado com a campanha pela democratização dos meios de comunicação.

A isso devem se somar outras exigências e reformas urgentes, cuja conquista pede uma frente de lutas ou um fórum nacional, em que a constituinte seja central para dar-lhe dimensão de soberania nacional e popular.

As mudanças necessárias no PT – o fim do PED

O PT proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas.

Manifesto de fundação do PT (1980)

O PT não pode continuar como um “partido de gabinete”, semelhante aos dos coleguinhas do “presidencialismo de coalizão”. Reformar o PT é parte da luta pela reforma política.

Sejamos claros: o Processo de Eleição Direta (PED) foi apresentado há quinze anos como ampliação da democracia para resolver problemas. Mas os problemas só aumentaram! O PED restringiu o direito dos filiados de influenciarem o rumo do PT, pois reduziu os militantes ativos a meros filiados, cidadãos passivos consultados a cada quatro anos, na urna. E só chega ao filiado quem tem os meios materiais para isso – quando não, meios duvidosos de pagar sua contribuição e levá-lo para votar.

Há um mal-estar. Sucessivas maquiagens das regras não moralizaram nada. Não adianta só reclamar do esvaziamento das instâncias. Propomos mudar a relação com as bancadas e destas com os setoriais e secretarias partidárias, mas é preciso uma reforma política no PT como um todo!

O PED é um irreformável ritual viciado e vicioso de arregimentação, com regras decalcadas do apodrecido sistema político.

Para valorizar a militância, mantendo o conjunto dos filiados, a mudança começa pela retomada do método da representação direta, que fez o partido ser o que ele é, com a volta à eleição das direções e escolha das plataformas em todos os níveis, olho no olho, através de delegados, em encontros de base municipais, estaduais e nacional.


Uma alternativa ao Plano Levy

1. Centralização cambial, derrubada dos juros

A alternativa ao Plano Levy passa pelo governo retomar a autoridade de definir câmbio e taxas de juros em favor do desenvolvimento. Não serão mais os especuladores (o “mercado”) que imporão as taxas, como é desde o governo Collor, com a "livre" entrada e saída de dólares.

Isso permitiria ao Banco Central reduzir fortemente os juros. Especuladores não ameaçarão remeter seus dólares para o exterior quando bem quiserem; terão de alocar o dinheiro em títulos públicos, mesmo a juros menores, ou em ativos produtivos.

2. Reindustrialização e proteção comercial

A segunda medida é proteger a indústria da competição internacional. O "livre" comércio, bom para as multinacionais, é um instrumento para reduzir salários em nome da competitividade. Por isso, são necessárias tarifas e barreiras de importação em ramos da indústria mais relevantes.

O câmbio será centralizado, o dólar será mais caro para determinados produtos (bens supérfluos ou de luxo) e mais barato para outros (estratégicos).

O Brasil escolherá com quem prioriza seu comércio; por exemplo, países do Unasul.

Em vez de cortar todas as desonerações, como faz Levy, deve-se diferenciar:

  • extinguir as desonerações da folha de pagamentos, mas, em vez de aumentar a taxação sobre o faturamento, voltar ao sistema de solidariedade entre gerações, com a contribuição patronal ao INSS;
  • condicionar qualquer incentivo fiscal (IPI etc.) ao cumprimento de metas de geração de empregos.

3. Fim do superávit fiscal, investimento público e reestatização

A terceira medida é o fim do superávit fiscal, com a retomada dos investimentos para melhorar os serviços públicos, com mais hospitais e escolas.

Empresas estatais seriam criadas (ou recriadas) nas áreas de transporte, eletricidade, telefonia, barateando redes de fornecimento, elevando a produtividade geral, sem quebrar direitos trabalhistas.

Isso gera mercado doméstico para a indústria. A produção de bens de consumo cria empregos e barateia o custo de vida. Desafoga o orçamento da família trabalhadora, comprometido com mensalidades de planos de saúde, educação etc.

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Outra medida necessária: reforma tributária com taxação de grandes fortunas e heranças, fazendo os ricos pagarem mais impostos e os trabalhadores menos.

Essa mudança sofrerá oposição do capital internacional, dos banqueiros e seus aliados empresariais e na mídia, mas ganhará o apoio do povo trabalhador, que defenderá a nova política do governo.


*Contribuição do Diálogo e Ação Petista, apresentada por Markus Sokol

Markus Sokol é membro do Diretório Nacional do PT

Iniciar o “giro”

Os últimos meses vêm sendo frenéticos. Depois de uma dura campanha, ganhamos o segundo turno presidencial, mas a roda-viva se acelerou: Levy ministro, ajuste fiscal via MPs, Cunha presidente da Câmara, ofensiva conservadora no Legislativo (maioridade penal, PL 4330 da terceirização etc.), Operação Lava Jato, ataque contra a Petrobras, prisão do tesoureiro do PT, mobilizações da direita golpista, “reforma” na Câmara constitucionaliza o financiamento empresarial privado, governos estaduais tucanos barbarizam, CUT e movimentos sociais fazem esforço para retomar as ruas, dia nacional de paralisação...

Em resumo: ganhamos a eleição presidencial na perspectiva de uma transformação democrático-popular do Brasil, mas corremos um sério risco de desmonte e reversão das mudanças feitas nos últimos doze anos.

Desmonte e reversão que causariam danos graves ao Brics, à integração regional, à soberania nacional, ao desenvolvimento do país, à democracia e ao bem-estar da maioria trabalhadora.

E, claro, causariam danos graves também ao conjunto da esquerda brasileira, começando por nós, do PT, mas afetando inclusive quem ataca o “lulopetismo” como parte da “direita pró-imperialista”.

Para nós, petistas, não está sendo fácil enfrentar essa situação, até porque nossas principais dificuldades não decorrem da ação da oposição de direita, do oligopólio da mídia ou do grande capital, seja transnacional, financeiro, agropecuário ou monopolista.

Cá entre nós, os inimigos estão apenas fazendo a sua parte. Se hoje não estamos conseguindo derrotá-los, é devido a dificuldades em nossas próprias fileiras.

E as causas principais de nossas dificuldades não estão nos movimentos sociais em que atuamos nem em nossas bancadas parlamentares e governos, a começar pelo governo encabeçado pela presidenta Dilma.

Em última análise, as dificuldades que enfrentamos têm origem nas fileiras do partido. É principalmente nelas que devemos encontrar e corrigir o que nos afeta negativamente. Se o fizermos, será muito mais fácil solucionar os problemas existentes nos governos, bancadas e movimentos.

Quando olhamos para nosso partido, entre virtudes e defeitos, percebemos um problema central: parte importante de nós, inclusive uma parte importante de nossas direções, reconhece da boca para fora que a situação é grave.

Mas na prática resiste a fazer mudanças radicais na política, no funcionamento, no financiamento e no relacionamento do partido com as classes trabalhadoras. Vide a resistência em acabar com o PED e com o financiamento empresarial privado ou a dificuldade em enfrentar temas como a corrupção e a “aliança” com o PMDB.

Um dos principais desafios do V Congresso é impedir que esse comportamento conservador destrua nosso partido. Entre outros motivos porque, na atual conjuntura histórica, uma eventual derrota & desmoralização do PT provocaria um retrocesso que custaria no mínimo duas gerações para ser revertido.

Os delegados e as delegadas do V Congresso foram eleitos no politicamente longínquo ano de 2013. Naquela época, já havia sinais abundantes de que a situação estava exigindo do partido uma nova orientação política, uma nova conduta, um novo padrão de funcionamento, uma nova relação com as classes trabalhadoras.

Mesmo assim, prevaleceu no PED 2013 uma posição que a ornitologia ensina ser típica da avestruz: mesmo reconhecendo (em parte) os problemas, a maioria escolheu não antecipar o debate de medidas alternativas, muito menos começar a adotar as medidas preventivas.

As opções feitas (ou não) em 2013 explicam em boa medida o tamanho da confusão, desorientação e insatisfação instaladas no partido, já durante as eleições de 2014 e até hoje.

Se a eleição de delegados e de delegadas ocorresse em 2015, é provável que prevalecesse outro ponto de vista: o de que precisamos mudar, e rápido, senão perderemos grande parte da força política e social acumulada ao longo dos últimos 35 anos.

O sucesso do V Congresso depende, portanto, de os delegados e as delegadas eleitos em 2013 alterarem e/ou atualizarem seu ponto de vista com a radicalidade necessária para dar conta da situação política.

A maioria das teses inscritas para debate no V Congresso promete mudanças no comportamento do partido, não apenas na formação política, na comunicação ou no combate à corrupção, mas especialmente no sentido de reatar laços com um grande setor da classe trabalhadora que confiava em nós e agora se distanciou.

A maioria das teses, para as quais o PMDB não é aliado das mudanças, defende a necessidade de construir uma frente com os partidos, movimentos, setores e personalidades de esquerda, democráticos e populares que garantiram a eleição de Dilma no segundo turno de 2014.

A maioria das teses aponta para mudanças na estratégia do partido, no sentido de que para transformar o Brasil é preciso combinar luta social e institucional, luta cultural e organização, tendo como objetivo não conciliar, mas derrotar o grande capital, a oposição de direita e oligopólio da mídia.

A maioria das teses sugere mudanças na política do governo Dilma, conforme o programa vitorioso no segundo turno das eleições presidenciais, não aquele vitorioso nas eleições da Câmara dos Deputados no primeiro turno e muito menos o de Joaquim Levy & Nelson Barbosa.

Mais importante do que as teses em debate no V Congresso é a atitude da militância sindical ligada ao nosso partido, militância que em sua grande maioria atua em sindicatos filiados à CUT.

A CUT tem feito um esforço imenso para incidir na conjuntura e na direção correta, inclusive dando passos concretos para construir uma frente democrática e popular, pela democracia, contra o retrocesso e por reformas estruturais.

Na mesma linha, grande parte da militância que compareceu aos debates realizados em todo o país por conta do V Congresso pediu algo que pode ser resumido de forma simples: que tome posse aquela presidenta Dilma que nós elegemos no segundo turno da campanha presidencial.

Para dar consequência ao que é insinuado em parte das teses e exigido por parcela da militância, especialmente a sindical, o V Congresso deve iniciar um giro estratégico, análogo ao que fizemos no V Encontro (1987) e no X Encontro (1995).

Mesmo quem defendeu a estratégia adotada a partir de 1995 e vigente (com inflexões) até agora deve reconhecer que as condições gerais da luta de classe no mundo e no Brasil modificaram-se, inclusive devido à nossa ação.

Nossas vitórias eleitorais (quatro presidenciais seguidas!) não se demonstraram suficientes para fazer as chamadas “reformas estruturais”. E sem reformas como a tributária, especialmente na atual conjuntura internacional e nacional, o Estado não terá recursos suficientes para ao mesmo tempo financiar o crescimento, ampliar as políticas públicas, sustentar os de cima e melhorar a vida dos de baixo.

Escolhas terão de ser feitas, sendo que o nível de organização, mobilização e consciência das classes trabalhadoras cresceu mais devagar que o ódio dos setores médios e a oposição do grande capital contra nós. Grande capital que abandonou a política de “convivência pacífica” que chegou a manter, durante curto período, frente a governos e políticas dedicados a elevar salários, reduzir o desemprego e ampliar direitos sociais.

Vivemos tempos de conflitos cada vez mais agudos, sendo que, depois de anos priorizando disputas eleitorais, ação parlamentar e de governo, nosso partido exibe fortes sinais de atrofia política e ideológica, inclusive um esquecimento progressivo acerca do nosso objetivo de construir uma sociedade socialista.

Portanto, para seguir avançando, a tese “Um partido para tempos de guerra”, apresentada pela tendência petista Articulação de Esquerda, defende a adoção de uma nova linha política global, uma nova estratégia, da qual decorrem um novo padrão de funcionamento e um novo comportamento do partido na luta de classes.

Ao V Congresso cabe iniciar esse “giro estratégico”. E rápido, até porque carne de avestruz está na moda.

Valter Pomar é professor

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