EM DEBATE

O PT está mobilizado para a segunda etapa de seu 5º Congresso, a ser realizado em junho, com questões cruciais sobre o projeto para o país e sua própria organização. A militância e setores das forças democráticas e populares irão debater, nos próximos meses, estratégias sob o sentimento urgente de mudança do partido. Teoria e Debate inicia aqui a publicação de uma série de contribuições na seção “Em debate”.

A saída é pela esquerda

Mudar para sermos os mesmos

A saída é pela esquerda

Nem mesmo a motivação com a vitória da Frente de Esquerda na Grécia e das gigantescas mobilizações populares na Espanha amenizou o difícil cenário no qual iniciamos o quarto mandato do PT à frente do Estado brasileiro: a batalha contra a direita inconformada com a derrota, arraigada a um sistema político corrompido pelas oligarquias, empresariado e grande imprensa; a pressão das forças progressistas e de esquerda que apostaram em nosso projeto, exigindo mudanças estruturais no Estado; a administração das consequências da crise econômica mundial; e a responsabilidade de sucesso de um legado vitorioso construído pelo presidente Lula, que tem influência direta em todo o mundo, pois somos o maior partido de esquerda da América Latina.

Esses são alguns desafios para o PT que completa 35 anos, nascido da classe trabalhadora para enfrentar o status quo das elites brasileiras e consolidado como o mais importante partido político da história do Brasil no período. Estão em jogo, agora, não somente a articulação do PT para a construção de mais quatro anos de governo, visando à próxima eleição, mas nossa sobrevivência política e ética. Ou apontamos para a atuação intransigente na efetivação da reforma política como alternativa ao sistema imposto pelo capital, ou poderemos sucumbir frente ao ataque midiático que atinge nossos maiores patrimônios: a relação com a militância petista e a identidade com o povo brasileiro, ambos atacados diretamente em sua autoestima, que abala também a confiança no Brasil.

A reforma política, acompanhada da constituinte exclusiva, das listas paritárias e do financiamento público, é o eixo central. Reforma essa que deve ser adotada inclusive internamente, junto à consolidação das conquistas do IV Congresso do PT, longe de ser realidade. A lógica mercantil das eleições é a prática interna. Assim observamos a apropriação individual dos mandatos, em detrimento das decisões do partido. Ocorre a substituição do debate coletivo das tendências e instâncias por feudos com propósitos unilaterais. A burocratização associada ao pragmatismo eleitoral compromete bandeiras históricas de garantias das liberdades individuais, como o aborto, a legalização das drogas, o estado laico. Esse conservadorismo presente, acompanhado da falta de renovação de quadros, nos remete à vala comum dos demais partidos.

Nesse aspecto é fundamental que adotemos um modelo realmente plural, internamente e de representação do PT. A renovação não é mais um tema a ser discutido. É urgente a consolidação de novos quadros para as novas tarefas. A reeleição é a regra por anos. Nossas representações nas casas legislativas são majoritariamente compostas de homens, brancos, de meia-idade e heterossexuais, lógica dos partidos tradicionais, tratando a tarefa da representação como profissão. Deve ser imediata a responsabilização das direções do partido e das tendências para o empoderamento popular também por meio dos mandatos, limitando as reeleições, como já aprovado internamente.

Saliento o tema da participação feminina como elemento fundante, combinado ao da renovação, para a incorporação imediata na agenda estratégica do partido. Somos a maioria da população e continuamos sendo tratadas como um setor, inclusive dentro do PT. O Brasil conta com números pífios de mulheres na política, e é urgente um aceno real do partido para a alteração desse cenário. A paridade aprovada no IV Congresso teve um resultado muito longe do esperado. As candidaturas femininas existiram, mas sem condições mínimas de estrutura. A mudança também deve se dar do ponto de vista ideológico. A participação das mulheres deve vir associada diretamente à prática do feminismo como forma de empoderamento e enfrentamento ao machismo, também presente nas relações internas. Ou seja, não basta ser mulher, precisamos politizar a participação feminina, dar prioridade, investir nas mulheres petistas. Precisamos de mulheres eleitas, e não apenas representadas.

A necessidade de uma nova agenda política para o PT está ligada também a uma nova postura relativa ao governo e à nossa atuação no Congresso. A governabilidade com alianças de centro e até centro-direita chegou ao esgotamento que vem comprometendo nossas políticas, como estamos vivendo agora. É urgente uma repactuação com setores de esquerda e progressistas para garantir os próximos quatro anos, um novo aceno programático, protagonizado por partido e governo, apresentando nossos principais compromissos de futuro. Compromissos esses que não podem estar dissociados da relação permanente com os movimentos sociais, da implementação de uma política econômica que assegure a autonomia do Estado perante o mercado, garantindo renda e emprego, da consolidação e avanço dos direitos da classe trabalhadora, do fortalecimento e expansão das políticas sociais, da luta intransigente contra todas as formas de discriminação e violência, da efetivação da reforma agrária, de uma representação internacional forte e comprometida com os direitos humanos e a soberania dos povos e, especialmente, do enfrentamento ao cartel da mídia brasileira.

O cerco midiático que se constituiu para acabar com o PT precisa ser denunciando e combatido. Denunciado pelo partido através de representações jurídicas e da mobilização das forças populares e combatido pelo governo com a limitação real de financiamentos para as grandes redes de comunicação, que ganham dinheiro público para promover a criminalização da política e do PT.  A reforma dos meios é urgente, não podemos mais tergiversar sobre esse desafio.

As concessões e alianças aos adversários de projeto, que não aceitam nosso compromisso com a classe trabalhadora e nos pressionam pela manutenção dos privilégios da elite brasileira, podem comprometer não só a reeleição do projeto nacional, mas a credibilidade do PT perante o povo brasileiro. Afinal, qual será o legado do PT após esse ciclo de vitórias? Precisamos continuar existindo para transformar o Brasil, e para isso, hoje, a aposta deve ser em torno de uma aliança que envolva institucionalidade e sociedade, combinada à mobilização popular para efetivar mudanças reais e estruturantes no Estado brasileiro. A saída é pela esquerda, e o povo tem pressa, precisamos responder.

Ariane Leitão é militante feminista do PT de Porto Alegre. Foi diretora da Fundação Perseu Abramo e secretária Estadual de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul

Mudar para sermos os mesmos

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