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Marco Civil deve assegurar principais características da internet: uma rede livre, aberta, democrática, descentralizada e propícia à inovação

Em análise no Congresso Nacional desde 2011, a construção do PL 2.126/11 contou com colaboração e participação da sociedade civil e aborda temas da liberdade de expressão, neutralidade da rede, proteção à privacidade do usuário, guarda de registros, responsabilidade civil de terceiros na rede e da atuação do Poder Público

Construção do PL 2.126/11 contou com colaboração da sociedade civil

Construção do Projeto de Lei nº 2.126/11 contou com ampla colaboração e participação da sociedade civil. Ilustração: André Daek

O Brasil está prestes a dar um passo que vai colocá-lo na vanguarda da legislação mundial sobre a rede mundial de computadores. Desde 2011, o Congresso Nacional analisa o Projeto de Lei nº 2.126/11, de autoria do Poder Executivo, o chamado Marco Civil da Internet. Se for aprovado, pode se tornar a lei a mais avançada do mundo sobre o tema, como demonstram as avaliações do projeto dentro e fora do Brasil.

Dezessete anos após o início de sua oferta comercial no Brasil, em 1995, muitos se perguntam por que fazer uma lei sobre a internet. Afinal, indagam, se até aqui funcionou bem, por que procurar regulá-la? Será que tal medida não vai cercear a liberdade, que é sua marca fundamental?

A resposta dos maiores especialistas, sejam acadêmicos, ativistas ou empreendedores, é que uma boa lei é necessária justamente para manter suas principais características: uma rede livre, aberta, democrática, descentralizada e propícia à inovação. Isso porque uma série de práticas do mercado vem pondo em risco essas mesmas características, como veremos.

O Marco Civil pretende ser uma lei enxuta. Seus 25 artigos, divididos em cinco capítulos,  estabelecem as regras gerais do uso da internet no Brasil, definindo direitos e deveres, princípios e garantias. Por isso, tem sido tratado como a Constituição da Internet, uma espécie de lei maior, um guarda-chuva sob o qual, posteriormente, virão outras leis, sobre aspectos mais específicos.

Assim, não aborda cibercrimes, por mais que o tema deva também ser enfrentado pelo Congresso – afinal, é um marco civil, e não penal. Tampouco direitos autorais. Se entrássemos nesse debate, não conseguiríamos terminar com um mínimo de qualidade e profundidade nenhum dos dois.

O Marco Civil da Internet trata, basicamente, dos temas da liberdade de expressão, da neutralidade da rede, da proteção à privacidade do usuário, da guarda de registros (logs), da responsabilidade civil de terceiros na rede e da atuação do Poder Público.

O primeiro deles, a garantia da liberdade de expressão, é uma das principais inovações do projeto. Atualmente, quando um terceiro posta em um provedor de aplicações – como site, blog, rede social – determinado conteúdo, se alguém se sente de alguma forma por ele atingido, notifica extrajudicialmente o provedor para que o remova. Este, regra geral, o retira do ar, muitas vezes sem sequer verificar o que está excluindo, apenas para evitar a condenação em um eventual processo por danos morais.

Dentre os vários problemas que essa prática apresenta, podemos destacar o cerceamento à liberdade de expressão de quem teve seu conteúdo removido – que pode ser um vídeo que envolva recordações familiares, como uma música dançada pelos noivos em um casamento, ou a simples manifestação de pensamento de um cidadão a respeito de uma pessoa pública. Ora, a quem interessa o cerceamento à liberdade de expressão? Não àqueles que querem fazer do Brasil uma nação cada vez mais participativa e democrática.

Por essa razão, o Marco Civil propõe que só possa ser responsabilizado pela disponibilização de conteúdo gerado por terceiros o provedor de aplicações de internet que descumprir ordem judicial em sentido contrário. Dessa forma, dá-se segurança ao provedor – que apenas indisponibilizará conteúdo quando, por si mesmo ou provocado, entender que deve fazê-lo – para garantir a liberdade de expressão do usuário.

Já o tema da neutralidade é decisivo para o futuro da internet. Garantir a neutralidade significa proibir que pacotes de dados que trafegam pela rede sejam discriminados em função de seu conteúdo, sua origem, seu destino, do serviço, do terminal ou do aplicativo que se use. Ou seja, é obrigar os provedores de conexão a tratar todos os pacotes de dados de forma isonômica, igualitária.

Para entender a importância disso para o usuário, basta imaginar um cenário em que a neutralidade não fosse respeitada. Os provedores de conexão – aqueles a quem pagamos para navegar numa certa velocidade contratada na internet – poderiam escolher o que fazer chegar mais ou menos rápido ao nosso terminal. Como sabemos que velocidade na internet é fundamental, o usuário não escolheria livremente o que acessar, e sim o provedor. Este portal de notícias em vez daquele, por exemplo, em razão de acordos comerciais. Fácil imaginar o quanto isso prejudicaria nossa liberdade de escolha, como usuários, e nosso direito à informação, como cidadãos.

Por fim, a proteção da privacidade é outro avanço decisivo do Marco Civil. Estabelecemos ali, explicitamente, o direito do usuário à inviolabilidade de sua intimidade e de sua vida privada, assegurando o direito a sua proteção e à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Assim também se dispõe sobre seu direito à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, nas hipóteses que a lei previr para fins de investigação criminal. Proibimos o fornecimento a terceiros de informações sobre a conexão à internet e a navegação do usuário, salvo mediante consentimento livre, expresso e por ele informado. Vedamos, também, o monitoramento, o bloqueio, a filtragem, a análise ou a fiscalização do conteúdo dos pacotes de dados por ele acessados, protegendo assim a privacidade de sua comunicação e navegação.

Tudo isso para evitar que informações pessoais sejam vendidas como mercadoria, sem que ao menos o usuário o saiba e consinta. Trata-se de proteger os hábitos e as curiosidades de cada um na rede e de tomar um excelente antídoto contra o que acontece hoje em outros países, em que governos se dão ao direito de monitorar e fiscalizar tudo o que se lê, busca e escreve na internet – mesmo em e-mails pessoais! Ao proteger o usuário, de um lado, da sanha por lucros de determinadas empresas, que veem nas pessoas apenas cifrões, de outro, de um eventual governo autoritário no futuro, estamos cercando de cuidado a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas, cujo respeito está na raiz do Estado Democrático de Direito.

É preciso ressaltar que a construção do Projeto de Lei nº 2.126/11 contou com ampla colaboração e participação da sociedade civil. Começou a ser elaborado no Ministério da Justiça, diante da tentativa que ganhava corpo no Congresso de legislar sobre a internet pela ótica do Direito Penal, criminalizando condutas. Depois de estudos, consultas e debates, o Ministério da Justiça, com o apoio do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, colocou em consulta pública sua proposta inicial. A enorme participação mostrou o acerto do método: foram 2.300 contribuições, que levaram a diversas modificações no anteprojeto.

Definida sua forma final, o Marco Civil foi enviado à apreciação do Congresso Nacional pela presidenta Dilma Rousseff, em 2011. Na Câmara dos Deputados, foi criada uma Comissão Especial para analisá-lo, da qual fui nomeado relator. Recoloquei o projeto em consulta pública, dessa vez no portal de participação da Casa, o E-democracia (http://edemocracia.camara.gov.br). Elaborei então meu parecer levando em conta os 2.215 comentários e as 140 propostas de mudança no texto recebidos pelo E-democracia e também os debates realizados durante as sete audiências públicas ocorridas em seis capitais brasileiras, além das sugestões recebidas pelo Twitter.

Com base nesse longo caminho percorrido, sempre com a participação da sociedade, e por todos esses avanços apontados, o Marco Civil precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional. A transformação desse projeto em lei permitirá que a internet no Brasil continue sendo uma rede aberta, democrática, descentralizada, livre de barreiras e propensa à inovação, ao progresso e à evolução da sociedade. É esse, certamente, o desejo dos cidadãos e das cidadãs que querem ver o Brasil continuar mudando para melhor e a internet contribuindo para isso. Se dermos esse grande passo, por certo conseguiremos influenciar positivamente a legislação mundial sobre o tema. A hora é essa.

Alessandro Molon é deputado Federal (PT/RJ)