Nacional

As consequências da liquidez promovida pelos países europeus são extremamente negativas sobre o câmbio nos países emergentes

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Os fatores correntes na esfera internacional que em maior ou menor grau repercutem no Brasil são os conflitos no Oriente Médio, o processo eleitoral para a Presidência dos EUA e a crise econômica europeia.

No processo da chamada Primavera Árabe, é atualmente na Síria que o embate está mais acirrado, de modo semelhante ao ocorrido na Líbia. O descontentamento de alguns setores políticos com o atual governo gerou um conflito armado em que os dissidentes sírios agora são apoiados pelas grandes potências, embora, por enquanto, sem intervenção direta da Otan, como foi na Líbia. Há, porém, infiltração de militantes islâmicos fundamentalistas de outros países na Síria, com financiamento, treinamento, armamento e apoio logístico de vários governos da região, como o da Turquia, o do Qatar, entre outros. Esse conflito tem provocado dezenas de mortes diariamente.

Sem falar na repercussão da violência e na angústia gerada na comunidade síria que vive no Brasil e mantém laços com seu país de origem, a ingerência externa no conflito e os constantes debates realizados no âmbito da ONU colocam para nosso governo a necessidade de posicionamentos que equacionem o repúdio a essa intervenção externa em assuntos nacionais, a defesa dos direitos humanos e a manutenção do papel positivo que o Brasil cumpriu durante o governo Lula na construção da paz no Oriente Médio.

Os interesses externos em afastar o atual governo sírio também visam neutralizar sua aliança com o Irã, outro país da região que vem sofrendo intensa pressão das grandes potências por alterações em sua política interna alegadamente em função de seu programa nuclear. Embora o governo iraniano declare que seus objetivos nesse campo são pacíficos, EUA, União Europeia e Israel insistem que seu projeto nuclear tem por finalidade armas atômicas. O recente debate entre o governo americano e o israelense sobre a possibilidade de ataque às instalações nucleares do Irã nos recorda a importância do acordo Brasil-Turquia-Irã elaborado em 2010, que poderia ter servido de base para negociar o ponto final nessa disputa.

É essencial que nosso governo, junto com o dos demais países do grupo Brics, continue atuando para encontrar uma solução política que atenda aos anseios do povo sírio e dos demais povos da região. A recente vitória eleitoral de Vladimir Putin para a Presidência da Rússia, com mandato de seis anos, se mantida sua política externa atual poderá contribuir como contraponto às políticas agressivas do governo americano e de seus aliados europeus, principalmente no âmbito da ONU.

É importante que a reunião dos Brics no mês de abril na Índia trate dessas questões, e a presidenta Dilma igualmente terá a oportunidade de expressar as preocupações brasileiras durante sua visita oficial aos EUA, também em abril, uma vez que neste ano a política externa norte-americana estará fortemente influenciada pela eleição presidencial a ocorrer em novembro quando Barack Obama concorrerá à reeleição.

“Tsunami financeiro”

Durante sua visita à Alemanha, a presidenta brasileira expressou com muita contundência sua crítica à liquidez promovida pelos países europeus para socorrer seu sistema financeiro e as consequências negativas que essa medida vem provocando sobre o câmbio dos países emergentes, como o Brasil. Dilma chamou essas medidas de “tsunami financeiro”, ou “guerra cambial”, na expressão anterior do ministro Guido Mantega. As centenas de bilhões de dólares que o governo americano injetou no mercado no ano passado para desvalorizar sua moeda e fortalecer seu sistema financeiro foram agora acrescidas pela mesma medida do Banco Central Europeu e de países membros da União Europeia.

Esses recursos, em vez de se dirigirem à recuperação da economia desses países por meio do fortalecimento dos mercados internos, estão buscando os ganhos fáceis das taxas de juros nos países emergentes, entre eles o Brasil, valorizando a moeda local e prejudicando-lhes as exportações. É fundamental que nosso governo fortaleça as medidas para conter esta “enxurrada financeira”.

Aproveitando-se da crise, os empresários e governos neoliberais europeus buscam ainda liquidar com o Estado de Bem-Estar Social e os direitos trabalhistas no continente. O novo governo de direita na Espanha acabou de aprovar uma legislação que possibilita a redução de salários e facilita as demissões de trabalhadores no país que detém o maior índice de desemprego da região, superior a 20% na média e de 50% entre os jovens! Esse ataque contra os direitos dos trabalhadores é preocupante, pois forma um paradigma que, se aplicado na Europa, será defendido também em outras regiões.

Há, no entanto, reações. Começam a despontar afirmações óbvias como a que não é possível enfrentar a crise sem retomar o crescimento econômico, fator excluído das medidas de austeridade. O movimento social e os sindicatos em particular vêm reagindo e estão marcadas greves gerais na Espanha e em Portugal para o mês de março, após uma série de manifestações importantes.

Além dos efeitos nocivos do “tsunami financeiro” e da redução do crescimento dos países desenvolvidos sobre a América Latina, a crise coloca dificuldades políticas para os governos progressistas do continente, como demonstra o recente resultado das eleições municipais e parlamentares em El Salvador, onde a direita venceu. A realização do XVIII Encontro do Foro de São Paulo na Venezuela, em julho, será um momento importante para contribuirmos com o debate sobre medidas para enfrentar a crise em nosso continente.

Propostas para área econômica

É fundamental que o PT fortaleça seu apoio aos partidos progressistas e de esquerda nos demais países latino-americanos, priorizando os lugares onde haverá eleições presidenciais neste ano, como México e Venezuela, e que nosso governo desenvolva uma política específica de cooperação para superação da crise em nível continental, por meio da aceleração dos mecanismos de integração articulados com ações coordenadas de instituições como BNDES, Petrobras e Agência Brasileira de Cooperação (ABC).

O problema cambial brasileiro provocado pelo ingresso desmesurado de moeda estrangeira também trouxe à tona as dificuldades de nossa indústria, que cresceu apenas 0,3% no ano passado e com participação reduzida no PIB, bem como na pauta de exportações. Tem aumentado a importação de componentes de bens produzidos e montados no Brasil, levando o movimento sindical, junto com setores empresariais, a promover uma série de manifestações em defesa da indústria nacional no curto prazo, embora exista também a compreensão de que a origem desses problemas é anterior aos governos Lula e Dilma e há necessidade de aprofundar a avaliação sobre o estado da indústria brasileira para propor uma política industrial inovadora e efetiva diante da conjuntura atual.

Entretanto, apesar da crise, o PIB brasileiro cresceu 2,7% em 2011, o que é um resultado positivo, ainda mais ao incidir sobre uma base econômica aumentada em 7,5% no ano anterior. Se adotadas as medidas adequadas em relação a taxa de juros, câmbio, política industrial e estímulos à economia, o crescimento de 2012 poderá ser ainda melhor, mesmo com o recrudescimento da recessão europeia.

O processo de redução da taxa de juros iniciado ainda no ano passado é muito importante, mas tem poucas repercussões sobre o custo do crédito real pago pelas pessoas e pelas empresas no Brasil. Como o valor do spread bancário é altamente extorsivo, é fundamental que o governo utilize os instrumentos disponíveis, como os bancos públicos, para reduzir esse valor.

Outra medida importante na área econômica seria superar as amarras impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e renegociar as dívidas de estados e municípios, mas à luz da unificação do ICMS, bem como de outras medidas a serem incluídas em uma minirreforma fiscal.

A pauta dos movimentos

O movimento social e a CUT vêm trabalhando para construir uma pauta de reformas a ser apresentada ao governo e ao Congresso Nacional, com temas como política industrial, desenvolvimento sustentável – que terá a Conferência Rio+20 como um de seus momentos altos –, gestão do Fundo Soberano formado pelos recursos do pré-sal, implementação do piso salarial nacional dos professores, entre outros. Há destaque para a regulamentação da negociação coletiva e do direito de greve dos servidores públicos, de acordo com a Convenção 151 da OIT, ratificada pelo Senado em 2010. Diante de tensões como a gerada pela recente greve de policiais militares na Bahia e no Rio de Janeiro, urge que o governo retome essa discussão.

Apesar das dificuldades de funcionamento do Congresso Nacional em anos eleitorais, há possibilidade de aprovação da PEC do Trabalho Escravo, o que representaria um grande passo na eliminação dessa grave mazela brasileira. É fundamental, porém, que os sindicatos, a CUT e demais centrais sindicais, as organizações sociais e o PT se mobilizem para viabilizar sua aprovação.

Base aliada e oposição

O reinício das atividades parlamentares este ano foi marcado por várias manifestações de descontentamento na base aliada do governo, motivadas pela disputa das eleições municipais no segundo semestre, pelo contingenciamento dos recursos de emendas parlamentares e pelas incertezas quanto à reforma ministerial. A disputa eleitoral é normal e legítima e deverá ser administrada pelos partidos da base aliada, mas é crucial que o governo gerencie a liberação de emendas e resolva a questão ministerial, principalmente, quanto à participação do PDT e do PR, bem como a reafirmação do acordo entre o PT e PMDB quanto ao preenchimento, por um representante deste último, da presidência da Câmara em 2013.

A oposição ao governo tentará explorar esse descontentamento, mas atualmente ela se pauta por duas táticas diferenciadas que, eventualmente, poderão se complementar no futuro. A oposição frontal e crítica ao governo e a suas políticas que parte do PSDB de São Paulo, DEM e PPS e a oposição mais branda do grupo de Aécio Neves, que inclusive declara apoiar as medidas governamentais mais populares em busca do eleitorado petista. No entanto, o discurso oposicionista sobre corrupção sofreu um revés nos últimos dias com a divulgação do envolvimento do senador do DEM por Goiás, Demóstenes Torres, com o bicheiro Carlos “Cachoeira”, com o qual manteve intenso contato telefônico e de quem recebeu caros presentes. O pedido de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso percorre a Câmara angariando assinaturas.

A essa oposição política se somaram recentemente as manifestações de um setor ainda mais conservador, representado pelos militares da reserva, que podem ter apoio de setores militares da ativa em reação à aprovação da Comissão da Verdade e a iminência de sua composição. Apesar de todos os cuidados adotados para que a Comissão pudesse ser aprovada no Congresso, ainda assim pretendem interditar o debate e esclarecimentos sobre assassinatos, sequestros, torturas e desaparecimentos.

No entanto, representantes do Ministério Público têm argumentado que sequestros e desaparecimentos são questões jurídicas em aberto, e portanto passíveis de julgamento e condenação. De qualquer forma, amplos setores da sociedade defendem que a verdade sobre a ditadura seja apresentada e que o povo brasileiro saiba quais foram os militares e agentes públicos que estiveram diretamente envolvidos na violação dos direitos humanos e o que fizeram.

No Poder Judiciário, a crise continua com a discussão do papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a divulgação de informações sobre pagamentos suspeitos recebidos por juízes em vários estados. Entretanto, a crise representa uma oportunidade ímpar de incluir a reforma judiciária no debate sobre a reforma política necessária no Brasil, que nessa área demanda, pelo menos, a adoção de medidas para tornar a Justiça mais eficiente e célere para todos.

Além disso, prossegue a tendência “legislativa” do Poder Judiciário, conforme a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de impedir a participação nas próximas eleições municipais de candidatos com contas rejeitadas de mandatos anteriores. No entanto, não há critérios claros dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) para aprovação ou rejeição de contas, e dessa forma poderá haver ingerência dos governadores sobre as candidaturas de acordo com seus interesses políticos, pois são eles que indicam os juízes dos Tribunais Estaduais e dos Tribunais de Contas.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Esse texto é uma síntese de reunião realizada em 12 de março de 2012