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Em 2006, município deu início ao Programa de Coleta Seletiva Solidária e é referência no estado do Rio de Janeiro

A cidade tem papel relevante na difusão de práticas sustentáveis para outros municípios, especialmente os vizinhos, por estar situada no miolo da Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Caminhão da Coleta Seletiva Solidária

No caminhão, além dos catadores, há um fixador de ideias, que conversa com os moradores sobre a coleta seletiva. Foto: Divulgação

[nextpage title="p.1" ]O Programa de Coleta Seletiva Solidária do município de Mesquita, iniciado em 2006, é referência no estado do Rio de Janeiro por seguir as diretrizes do Movimento Nacional dos Catadores, por envolver os catadores no Planejamento Participativo e pelo seu caráter de política pública. Sob a coordenação da Secretaria de Meio Ambiente, reúne recursos humanos e técnicos das secretarias de Educação, Saúde, Ação Social, Cultura e Urbanismo.

Para levar adiante o desafio de implantá-lo, o prefeito Artur Messias da Silveira nomeou secretária do Meio Ambiente Kátia Perobelli, mestre em Ciências Ambientais e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional – além de mesquitense da gema, nascida e criada a poucas ruas da prefeitura. Desde 2005 Kátia compartilha saberes com sua equipe e com os catadores do município, em uma interação dinâmica e criativa.

O prefeito ressalta que “políticas públicas participativas e integradas são importantes para o sucesso dos programas ambientais, vistos como idealismo no passado e hoje considerados necessidades imperiosas”. Também lembra que Mesquita tem papel relevante na difusão de práticas sustentáveis para outros municípios, especialmente os vizinhos, por estar situada no miolo da Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com uma área verde duas vezes maior que a urbana, além de uma Área de Proteção Ambiental (APA).

O programa

O programa foi iniciado com a parceria da Cooperativa Mista de Coleta Seletiva e Reaproveitamento de Mesquita (Coopcarmo), que atua desde 1993 no município e possui maior grau de sustentabilidade. A associação também se tornou centro de treinamento de novos catadores, que passam uma semana aprendendo o trabalho e depois são direcionados para o galpão mais próximo de onde moram. Os primeiros catadores tinham a experiência das ruas. Aos poucos, foram sendo incorporadas pessoas com outro perfil, e os mais experientes, além de se aperfeiçoarem na função, passaram a ensiná-las: a metodologia catador ensina catador é inédita. Hada Rúbia, diretora financeira e ex-presidente da Coopcarmo, é hoje contratada da prefeitura para acompanhar os novos grupos. Para ela, o sucesso da cooperativa se deve à sabedoria popular misturada à técnica: “O técnico tem a visão só do dinheiro. Pra mim, o mais importante é a vida”.

Com o patrocínio da Petrobras, renovado, chegaram mais dois caminhões. Foram criadas a Cooperativa de Mulheres da Baixada (Coomub) e a Associação Esperança de Trabalhadores de Recicláveis de Mesquita e dois novos grupos estão em formação. Os catadores são vinculados às cooperativas e remunerados para dar treinamento externo em empresas que aderem ao Programa Empresa Amiga do Catador. A prefeitura arca com os custos operacionais, um investimento mensal de R$ 22 mil em 2011, que envolvem gastos com combustível dos caminhões (também financiado por parcerias locais), manutenção dos galpões, luz, água e telefone. A equipe é formada por uma coordenadora técnica, um assistente de coordenação, um assistente operacional, educadores ambientais, fixadores de ideias (agentes ambientais populares), motoristas e coletores.

São quatro galpões, construídos com verba do Ministério das Cidades e distribuídos entre o centro e bairros: Galpão Chico Mendes, Galpão Zilda Arns, Galpão Cássia Valéria (nome escolhido pelos catadores) e Galpão Dorothy Stang. O quinto galpão é o da Coopcarmo. O número de trabalhadores em cada um varia entre dez e quinze, conforme sua permanência na atividade. Para cada nova turma de catadores é designado um fixador de ideia, que os apresenta aos moradores como parceiros da prefeitura. O fixador ensina aos moradores que materiais devem ser separados e informa o dia da semana em que serão recolhidos. Nos galpões, os pets (politereftalato de etileno) são prensados e o óleo de cozinha coado, para obter melhor preço no mercado. Parte da equipe atua internamente e outra sai no caminhão, em regime de rodízio semanal. Também a entrega do material arrecadado é feita alternando os galpões, para que a coleta dos bairros de maior renda chegue a todos.

As rotas de coleta cobrem parte do município, 10 quilômetros diários da área urbana de cerca de 15 quilômetros quadrados. A Coleta Seletiva Solidária alcança cerca de 12% dos imóveis cadastrados no IPTU. São recolhidas 65 toneladas por mês, entre 6 mil residências – em parte delas há uma placa de identificação como participante do programa, contribuindo para atrair outros moradores –; 34 escolas municipais, duas estaduais e três particulares; 48 órgãos públicos e quarenta empresas de diferentes portes e ramos, certificadas com o selo Empresário Amigo do Catador. Os Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) estão localizados nas repartições municipais, escolas, postos de saúde e na Casa da Mulher.

Marcela Diniz, coordenadora do programa, explica que não são aceitos menores de 18 anos e a maioria dos trabalhadores são mulheres. Seguindo o Planejamento Participativo, há reuniões quinzenais nos galpões, ou sempre que necessário. Os galpões têm o mesmo padrão: um banheiro, uma cozinha e uma copa/escritório, equipados e mobiliados. A prefeitura presta assessoria aos catadores no processo de venda e de negociação, em geral para grandes compradores, que oferecem maior preço pelos produtos coletados. Entre estes predominam o pet, o papel e papelão, embalagens longa vida e plásticos diversos. A remuneração dos catadores é feita pelo rateio, cuja média foi de R$ 462,75 (junho/setembro de 2011), mas há renda extra vinda do bazar e de uma barraca nas feiras livres, iniciativas dos catadores.

Educação e cidadania

Os educadores ambientais, concursados, participam nas escolas da educação para a cidadania e a sustentabilidade ambiental, ação que envolve não apenas os alunos, mas professores e outros funcionários. Um dos focos são as merendeiras, fundamentais na separação dos resíduos nas. O trabalho já atingiu cerca de 19 mil alunos, seiscentos professores e cerca de cem profissionais de apoio, entre merendeiras, inspetores e serviços gerais.

O educador ambiental André Luiz Vilanova Ribeiro, um dos cinco que atuam no Projeto Sala Verde, do Ministério do Meio Ambiente, e como agentes do Programa de Coleta Solidária, conta que são dadas palestras para adultos e jovens nas escolas e desenvolvidas atividades lúdicas para crianças a partir dos 3 anos de idade. Também ocorrem em atividades comunitárias e dias festivos, como o Dia da Família. O objetivo é aplicar os 3Rs: reduzir, reciclar e reutilizar. A educação visa à cidadania e incentiva o consumo consciente. Os educadores ambientais interagem com os fixadores, que revelam a participação dos filhos, estudantes, na mobilização das famílias para a Coleta Seletiva Solidária. Também há um programa de visita das escolas aos galpões, já em ampliação, para que os alunos possam ter uma percepção mais ampla do processo.

Em 2010, foi concluído o Plano Municipal de Educação Ambiental, coordenado pelas Secretarias de Meio Ambiente e da Educação e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com participação de uma Comissão de Consulta Pública formada por diversos segmentos da sociedade civil e do governo. O Centro de Educação e Justiça Ambiental e o Projeto Sala Verde mantêm um espaço aberto para a população, com biblioteca especializada, folhetos, vídeos, além de palestras e oficinas, que podem ser dadas também nas escolas e comunidades.

Educadores ambientais concursados desenvolvem o trabalho educativo nas escolas

[/nextpage][nextpage title="p.2" ]Parcerias e resultados

Mádia Bento da Rocha, artesã, ex-empregada doméstica e faxineira, ficou desempregada, procurou o treinamento e se encantou com o trabalho de catadora, função que exerce há cerca de seis meses. Firme em suas opiniões, ela já participa da difusão do programa através dos cursos externos. Os atuais parceiros são Petrobras, Sebrae, Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal, Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Ablipla), igrejas, empresários locais de diversos ramos e a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB/Sescoop-RJ), cuja participação é mais recente e tem por objetivo a formação de lideranças e de cooperativas, processo constante, bem como a capacitação de catadores para a autogestão.

Galpão Cássia Valéria de coleta seletiva Foto:Maria Lúcia

Entre os resultados estão a adoção de critérios ambientais nas atividades da administração pública (A3P-Agenda Ambiental na Administração Pública); a inserção e valorização do catador individual, através de capacitação profissional; a criação de novas cooperativas; o fornecimento de equipamentos adequados para essas práticas; e a construção de novos galpões. O programa resgata a identidade e a cidadania dos catadores, que agem como multiplicadores.

A continuidade do programa é assegurada pelo marco legal do Programa de Coleta Seletiva, estabelecido desde 2002 pela Lei Municipal n° 125, seguida de decretos relacionados; pelo orçamento municipal; pela participação cidadã da população; e pelo controle social, através do Conselho de Meio Ambiente de Mesquita. A secretária de Meio Ambiente, que também é membro da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente, ressalta que “o maior desafio é fazer a coleta seletiva de forma solidária, incluindo as práticas da gestão participativa adotada pelo município. O coletado pela população é doado aos galpões e os trabalhadores devem se adaptar às novas rotinas e à autogestão, o que pode provocar conflitos que necessitam ser solucionados por pessoas aptas para tanto”. Em 2012, como resultado de projetos encaminhados à Funasa e aprovados, a Coopcarmo e a Associação Esperança receberão cada uma R$ 200 mil para compra de caminhão e equipamentos.

Nilandio Leite, da equipe da prefeitura que assessora os catadores, explica que o principal gargalo está na frota de caminhões, que tem de ser aumentada para tornar a coleta mais ampla e regular. Ele explica que “a população aceita muito bem a Coleta Seletiva Solidária e se interessa em participar, pelo envolvimento do catador e também pelo empenho da prefeitura na implantação do programa, gerando renda para os que necessitam e abrindo oportunidades”. Dona Iracema de Oliveira Silva é parceira, como moradora, do programa. Além de recolher e separar o lixo em casa, convoca outras pessoas, amigas e familiares a selecionar e guardar os resíduos, indo buscá-los quando elas não podem levá-los para ela.

Para o acompanhamento do programa estão incluídas reuniões com as Empresas Amigas do Catador, com apresentação dos resultados e sensibilização de empresários convidados que ainda não participam da iniciativa.

Premiação

O Programa de Coleta Seletiva Solidária de Mesquita foi escolhido o melhor trabalho desenvolvido no Brasil, na categoria Administração Pública, na 3º edição do Prêmio CEBDS de Desenvolvimento Sustentável (2007); conquistou o Prêmio Melhores Práticas da Gestão do Dinheiro Público, promovido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (2008); o Troféu Atitude Sustentável da Câmara de Comércio e Indústria do Estado do Rio de Janeiro; o prêmio Melhores Práticas, da Caixa Econômica Federal (2009).

Em 2010, a Coopcarmo recebeu o Prêmio Compromisso Empresarial para a Reciclagem e Vânia Gomes, da Associação Esperança de Trabalhadores de Recicláveis de Mesquita, e Hada Rúbia da Silva o prêmio Mulher de Negócios do Sebrae.

Licenciamento e resíduos sólidos

O município, que cumpre o previsto na Lei de Resíduos Sólidos desde 2005, faz 100% de licenciamento ambiental e, neste, já oferece orientação para a Coleta Seletiva Solidária. O licenciamento é descentralizado e a Secretaria de Meio Ambiente criou uma quarta modalidade de licença para as atividades de pequeno porte e potencial poluidor: a Licença Ambiental Simplificada (LAS).

Como exemplo, a JB Rede de Postos de Combustíveis, uma das parceiras da prefeitura, destina corretamente os resíduos provenientes de suas atividades (embalagens, óleos combustíveis usados etc.), dentro do Programa Jogue Limpo, e apoia o Coleta Seletiva Solidária, com fornecimento de diesel para os caminhões, segundo o empresário João Batista Cursino de Moura. Consciente da necessidade do equilíbrio ambiental, a empresa também participa da Agenda 21 Local.

Resíduos prontos para reciclagem no Galpão Cássia Valéria  Foto: Maria Lúcia

Segundo dados do IBGE de 2011, 50,8% das cidades brasileiras depositam seus resíduos em lixões, 27,7% em aterros controlados e apenas 21,5% de forma adequada e segura para o meio ambiente e para a saúde. Artur Messias ressalta que há duas questões pontuais referentes à coleta seletiva: a legal, vinculada à Lei de Resíduos Sólidos, e a relativa aos benefícios do ICMS Verde. “Mesquita, por suas práticas, alcançou o terceiro lugar em montante desse imposto. É importante deixar claro a diferença entre royalties, que são valores para reparar danos causados ou impactos, e o ICMS Verde, que significa, ao contrário, investimentos nas questões ambientais”, diz o prefeito.

Ele lembra ainda que o Programa de Coleta Seletiva está em etapa mais avançada, pois no início cada catador catalogado tinha sua rota e renda individual e atualmente a venda é conjunta. “Enfrentamos resistências, mas, uma vez que os catadores se apropriaram da lógica econômica de sua atividade, passaram a confiar mais e perceber como esse trabalho coletivo pode ser desenvolvido com a participação e controle deles mesmos.” Artur Messias chama a atenção para a urgência da reforma urbana, ainda em processo, e reitera que “a permeabilidade da gestão, não centralizada, permite traçar as políticas públicas com participação de todos, 'com’, e não ‘para’, o povo”.

A meta de 10% a 12% de coleta seletiva dentro do prazo estipulado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos exige maiores esforços e mais investimentos. Classificado como uma das melhores experiências do Brasil, no Balanço Nacional de Experiências em Coleta Seletiva, estudo realizado pela Universidade Federal de Pernambuco, o Programa de Coleta Coletiva Solidária de Mesquita atingiu 1,6% em 2010.

Fora do programa, a coleta de resíduos do município  conta com nove caminhões, que transportam cerca de 160 toneladas diárias de resíduos orgânicos e inorgânicos à Central de Tratamento de Resíduos de Nova Iguaçu S.A., que dá destinação ambientalmente correta aos resíduos sólidos, por meio de arranjo institucional com a Secretaria do Estado de Ambiente. O município foi o primeiro a deixar de levar seus caminhões para descarte no Aterro de Gramacho, que será desativado em junho de 2012.

Maria Lúcia Martins é jornalista

Links sugeridos
Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos Sólidos
www.mncr.org.br

Prefeitura Municipal de Mesquita
http://www.mesquita.rj.gov.br

Coleta Seletiva Solidária
http://coletasolidaria.gov.br

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