Nacional

Fundador do PT, Plinio Mello é protagonista da história das lutas operárias no Brasil

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Agosto de 1978. Um militante socialista de 78 anos faz chegar uma carta às mãos de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema que se destacava nacionalmente como liderança das primeiras grandes greves operárias do período. No texto assinado por Mário Pedrosa, dois socialistas históricos incentivam a nova liderança operária a lutar pela construção do Partido dos Trabalhadores, um partido com a consciência proletária de que você e seus companheiros estão imbuídos" (ver Carta a Lula, 1978).

O velho militante que encaminhou aquela carta ao Lula é Plínio Gomes de Mello. Foi ele também quem motivou e ajudou seu antigo companheiro de lutas, Mário Pedrosa, a escrevê-la. E é ele quem conta como surgiu a idéia da carta "Houve um congresso sindical no Rio de Janeiro, em que Lula e as grandes lideranças sindicais de São Paulo estavam presentes. Então, fui ao Pedrosa e disse que aquela era nossa oportunidade de comprometer mais o Lula como elemento revolucionário: ‘Eu acho que você devia fazer uma carta para o Lula, traduzindo o seu sentimento, porque você já está entusiasmado com o Lula, não é? Nada melhor do que traduzir isso num documento e mandar para o Lula. É uma maneira de você ficar com a consciência tranquila e ao mesmo dar uma contribuição séria para o movimento operário no Brasil'. E ele fez a carta. O começo foi escrito por mim".

Esse episódio marca o reencontro de Plínio Mello, jornalista, sindicalista, ex-deputado e militante socialista, com a luta pela construção de um partido de trabalhadores no Brasil. Uma luta que ele iniciou mais de cinqüenta anos antes, na década de 20, no Rio Grande do Sul, no município de Cruz Alta, onde nasceu em 21 de junho de 1900.

1922. Estudante de direito em Porto Alegre, aos 22 anos Plínio Mello se envolve na candidatura de Assis Brasil ao governo do Rio Grande, movimento de oposição a Borges de Medeiros que pretendia continuar no poder. Em 1923, a oposição tenta tomar o governo pelas armas, mas é traída e reprimida por Flores da Cunha. Desgostoso, Plínio vai para o Rio de Janeiro, onde permanece por quase um ano. Em 1925 segue para São Paulo, volta a estudar direito e conhece Mário Pedrosa e, Lívio Xavier, influências fundamentais em sua trajetória política.

1926. Com Dimas de Oliveira, Oscar Pedroso Horta e Alberto Muniz da Rocha Barros, Plínio Mello dirige a revista Mocidade, chegando a publicar três números. "O objetivo da Mocidade", diz ele, "era projetar uma campanha nacionalista, mas nacionalista no bom sentido, não no sentido pequeno-burguês. Essa fase, porém, termina sem grande êxito, porque aí surge Mário Pedrosa".

Advogado, vindo do Rio de Janeiro para trabalhar como jornalista nos Diários Associados, Mário Pedrosa torna-se amigo de Plínio e tem papel decisivo em sua definição política e ideológica. É Plínio quem afirma: "Em 1926, Pedrosa e Lívio Xavier já eram militantes do PCB (Partido Comunista do Brasil). Sob a influência de Pedrosa, deixei de ser um nacionalista ferrenho, convicto de que a solução dos problemas brasileiros só se daria através de um movimento daquela natureza. Transformei-me em 'aprendiz de marinheiro', me tornei simpatizante comunista".

1927. Influenciado pelo ideário comunista, em maio, Plínio Mello publica um artigo sobre fascismo e bolchevismo na revista do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo. "Nesse artigo, eu comparava os dois regimes e concluía: 'Mussolini é a retrógrada e indesejável reação guerreira, incompatível com as Conquistas da civilização. Lenin, não; ele simboliza a necessidade da revolução social, inevitável em nossa época, para a salvação da humanidade".

Em agosto, Plínio Mello rompe definitivamente com seu passado. Num discurso aos colegas e professores, faz uma crítica contundente ao ensino de direito (baseando-se em Pontes de Miranda e José Augusto César, juristas renomados) e torna pública sua adesão ao socialismo (ver trechos do discurso).

"Há um episódio gozado aí. O discurso foi proferido entre as arcadas da faculdade, no centro do pátio, sobre um banco", relembra Plínio. "No meio do discurso veio um bedel, em nome do diretor, informar que eu não poda estar fazendo anarquia lá na faculdade. Então, me voltei para meus colegas e indaguei se não era tradição da faculdade de direito a liberdade de manifestação do pensamento. Perguntei se devia continuar e o pessoal respondeu: 'Continua', aquela coisa toda. Então, continuei até o fim. Depois, fui levado até a porta da faculdade e saí, para sempre. Quer dizer, no fim do meu discurso rompi com a faculdade de direito e com a ideologia burguesa ensinada ali."

Algum tempo depois de abandonar a faculdade às vésperas da formatura, Plínio entra no PCB. Ele participa de um grupo de militantes e intelectuais filiados ou próximos do PCB em São Paulo, mas é apenas um "simpatizante ativo", como ele se classifica. Plínio Mello considera curiosa a maneira como entrou no PCB. Foi convidado, em certa ocasião, a participar de uma reunião daquele grupo (que contava com Everardo Dias, Licínio Martins e outros), na qual se discutiria a organização do partido em São Paulo. Compareceu à reunião e, convencido da necessidade de organizar o PCB no Estado, subscreveu o programa e filiou-se imediatamente: "Assinei a ficha ali mesmo, na hora. Tornei-me militante e membro da direção. Entrei por cima. Não tão por cima como o Prestes, mas por cima", comenta Plínio.

Sua primeira missão foi viajar ao Rio Grande do Sul para discutir com os comunistas gaúchos a influência e a importância da pequena burguesia, representada por Luís Carlos Prestes, na linha política do PCB. Naquele período começavam a se manifestar no Brasil os reflexos das profundas modificações introduzidas e já consolidadas no movimento comunista internacional.

O VI Congresso da Internacional Comunista, em 1928, desencadeara uma orientação ultra-esquerdista, mas, por aqui, o PCB ainda adotava a política de buscar alianças com a pequena burguesia, particularmente com o movimento tenentista, do qual Luís Carlos Prestes era o maior representante. Essa política, impulsionada pelo PCB, formalizou-se no BOC (Bloco Operário Camponês).

Naquela época ocorreu também uma dupla e grave cisão nas fileiras do partido: de um lado, Joaquim Barbosa, responsável sindical nacional do PCB, criticava a linha sindical da direção; de outro, um grupo de cinqüenta militantes censurava a falta de democracia interna, entre eles, Lívio Xavier, amigo e companheiro de Plínio.

Para resolver o impasse, realiza-se o Congresso do PCB, de 29 de dezembro de 1928 a 4 de janeiro de 1929, em Niterói. Entre os delegados por São Paulo está Plínio Mello, que fala sobre esse momento: "Eu não pertencia à oposição. Embora Lívio Xavier tivesse me contatado para que eu colocasse os problemas da oposição, não aceitei, porque era delegado pela direção do partido em São Paulo. Não podia fazer o jogo da oposição".

Apesar de o II Congresso ter sido convocado fundamentalmente para solucionar o problema da oposição de Joaquim Barbosa, nele definiu-se também a linha de atuação do PCB para as eleições de 1930, que levou à formação do BOC (nota).

A discussão da oposição barbosista foi a primeira realizada durante o congresso: "Astrojildo Pereira sustentou o ponto de vista de que a oposição tinha capitulado, desistido da luta, já que Joaquim Barbosa havia se afastado e militava individualmente, como grande líder do Sindicato dos Alfaiates do Rio de Janeiro. Entre os delegados só havia um elemento ligado à oposição barbosista, João da Costa Pimenta. Ele tentou defender a oposição, tons sem muito fundamento porque a situação estava difícil para eles. Assim, Astrojildo deu como liquidada a oposição. Pimenta continuou no congresso, mas ficou mais ou menos à margem dos acontecimentos".

Plínio se lembra de um russo, conhecido por Pierre, que era dirigente do Bureau Sul-Americano da Internacional Comunista e estava no congresso para participar dos trabalhos. "Ele concordou com a tese de Astrojildo, no congresso, e acho que por esse motivo perdeu as funções de direção no bureau. Aliás, com as resoluções tomadas no III Congresso, a direção do PCB ficou no 'índex' da Internacional Comunista e deixou de merecer confiança."

Isto porque as definições de linha de atuação política desse congresso contrapunham-se às orientações definidas no VI Congresso da Internacional Comunista. Na definição das linhas de atuação dos comunistas, o debate acirrou-se em torno da questão do agrarismo e do industrialismo, tese sustentada por Octávio Brandão, um dos fundadores e membro da direção nacional do PCB. Muito discutida no congresso, a tese de Brandão defendia a aliança prioritária do proletariado com a pequena burguesia, para a deflagração de uma "revolução democrática pequeno-burguesa".

"Prevaleceu justamente a tese do Brandão, que se firmou como uma espécie de orientação teórica do PCB. Essa orientação foi objeto de cerrada crítica posterior por parte do Bureau Sul-Americano da Internacional Comunista. A tese defendia que a aliança do proletariado com a pequena burguesia devia ser feita através do PCB e da Coluna Prestes. Tanto que fui encaminhado ao Rio Grande do Sul para ser candidato pelo BOC em Porto Alegre."

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1929. Plínio Mello vai para o Rio Grande do Sul, para levar as resoluções do II Congresso aos militantes comunistas gaúchos. Tem como missão entrar em contato com a Coluna Prestes e sair candidato pelo BOC em Porto Alegre. Nas eleições presidenciais marcadas para março de 1930, quando o BOC apresenta seus candidatos, Plínio Mello é um deles. Ele concorre a uma vaga no Congresso Nacional pelo Rio Grande do Sul.

"Fizemos várias demonstrações de rua, puxamos o proletariado das fábricas com bandeiras vermelhas. Isso deixou o Osvaldo Aranha, uma espécie de substituto do Getúlio Vargas, alarmado. Para acabar com aquilo, um oficial veio me procurar, a mando do Osvaldo Aranha, para um entendimento. Osvaldo Aranha, um sujeito muito insinuante, me disse: 'Como é, Plínio? Nós estamos aqui em frente única e você está querendo rompê-la? Que história é essa?'. E eu respondi: 'Nós não somos da frente única, somos contrários a ela, e contrários aos outros também. Não somos só contra a frente única, somos contra os dois. Não há por que falar na frente única, portanto'."

A Frente Única Gaúcha reunia então os dois grandes partidos do Rio Grande, o Partido Libertador e o Partido Republicano Rio-Grandense, e apoiava o nome de Getúlio Vargas como candidato oposicionista à Presidência da República. Na conversa, Osvaldo Aranha insistiu: "Mas você precisa estar em combinação conosco, Plínio". E insinuou uma hipótese de suborno. Nesse meio tempo ele disse que eu era um bolchevique e ele, um menchevique. Concluí, então: "É por isso mesmo que não temos possibilidade de trabalhar em comum".
Quinze dias antes das eleições todos os dirigentes do BOC no Rio Grande foram presos. Segundo Plínio, "forjaram um pretexto e mandaram prender todos, sindicalistas, estudantes e a mim. Fomos presos, levados para fora da cidade e barbaramente espancados".

Em entrevista ao jornal Folha da Noite, Plínio Mello relatou esse episódio em detalhes, responsabilizando diretamente Osvaldo Aranha, Getúlio Vargas e "a clique que os rodeia" pelo seqüestro e espancamento de militantes do Bloco Operário Camponês em Porto Alegre: "Em plena campanha da Aliança Liberal, quando se digladiavam as duas facções em que se dividiu a burguesia brasileira para a disputa do poder central, nós, os que nos encontrávamos à frente do movimento de organização do proletariado no Rio Grande, fomos vítimas de um atentado que bem define a mentalidade desses homens. Valendo-se da Frente Única que conseguiram impor ao povo gaúcho, comprando jornais e cerceando completamente a liberdade de seus adversários, seqüestraram nas vésperas das eleições de março, os principais militantes operários de Porto Alegre, assim como alguns propagandistas da candidatura Júlio Prestes. E depois de espancar barbaramente aqueles, isto é, todos nós, militantes operários, e de nos conservarem presos durante quase um mês - alguns assim permaneceram durante mais de dois meses! -, deportaram-nos também: os brasileiros, para outras regiões do país, e os estrangeiros, para fora do Brasil"1

1930. Após a prisão no Rio Grande, Plínio Mello refugia-se no Uruguai, onde entra em contato com o Bureau Sul-Americano da Internacional. Entre abril e maio de 1930, em Buenos Aires, participa da Conferência do Bureau Sul-Americano, na qual apresenta seu relatório sobre o PCB no Rio Grande do Sul. E acaba sendo testemunha do momento em que a Internacional Comunista resolve colocar a seção brasileira nos eixos, adequando-a à linha internacional. Confrontada com as diretivas formuladas na União Soviética no início de 1930, a linha política do PCB é violentamente atacada. Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, os dirigentes do PCB presentes à conferência, se vêem obrigados a acatar as "críticas" e a adotar o curso ultra-esquerdista determinado pela Internacional Comunista a todas as suas seções. A adoção dessa nova linha, imposta de fora, degenerou no chamado obreirismo, isto é, a maioria da direção do partido deveria ser composta de "operários genuínos". Na verdade, isso foi um pretexto para o afastamento da antiga direção.

Plínio Mello retorna ao Brasil ainda em 1930. Com destino a São Paulo, se vê obrigado a passar uma temporada em Santos, pois a repressão policial se intensificava na capital do Estado. Numa reunião zonal do partido, em Santos, critica Astrojildo Pereira por ter assumido em bloco a linha dominante na Internacional. Pouco tempo depois, é expulso do PCB. Ele conta como foi esse processo:

"Sustentei, numa reunião de Zona, em Santos, que a orientação do partido não deveria ser tão esquemática que isolasse Prestes inteiramente. Prestes tinha grande influência no seio da pequena burguesia e, conseqüentemente, no próprio proletariado. A direção entendeu que eu estava sustentando uma tese condenável. Tentaram me expulsar, mas não conseguiram e tiveram que engolir a pílula na primeira reunião".

Astrojildo Pereira foi então convocado para Santos, com o objetivo de expulsar o "dissidente":

"Como era membro do Comitê de Zona, eu não podia ser afastado de reuniões. Numa reunião, Astrojildo fez uma demonstração de que eu defendia posições prestistas e até trotskistas, inclusive citando Trotsky. Eu disse que não era trotskista nem nada, mas não adiantou. Numa assembléia com doze pessoas (em que Astrojildo não tinha direito a voto, nem eu, porque estava no 'índex', cinco votaram para que eu continuasse no partido, lutando pelas idéias que defendia, e outras cinco votaram pela minha expulsão desde logo. Então, João Freire de Oliveira, um garçom que era o secretário da Zona, pressionou um operário das docas recém-entrado no partido, dizendo: 'Como é, camarada, você entrou no partido ontem e já hoje é contra o partido?'. Assim fui expulso".

Plínio não recorreu da decisão. Ele diz que não havia onde recorrer, pois naquela altura o partido tinha só o bureau: "Havia alguma coisa em Minas, em Pernambuco, mas estava praticamente restrito ao Rio de Janeiro".

Expulso, segue para São Paulo e, pouco tempo depois, se vê novamente envolvido com o PCB, durante o que se convencionou chamar de Revolução de 30.

"A revolução chegou vitoriosa e, por determinação dos tenentes, João Alberto tomou conta dos Campos Elíseos, que era a sede do governo paulista. Aí vieram o irmão dele, Luís de Barros, e Josias Leão, que foi embaixador, ambos membros do PCB. Luís achou que precisava fazer algum coisa, conseguir um decreto reconhecendo a legalidade do partido e responsabilizando a mim, ao Josias e a ele próprio por essa legalidade. João Alberto, que se considerava um pouco simpatizante, assinou o decreto, que foi publicado."

Plínio atribui essa legalidade às circunstâncias do período, já que a Revolução de 30 havia levantado o ânimo da população. A pressão da massa que fez com que João Alberto decretam a legalidade do PCB levou-o a elaborar outros decretos com o mesmo espírito, como o do aumento dos salários. "Quer dizer, era possível ter alguma esperança na provável legalização do PCB, desde que nós assumíssemos a responsabilidade. Foi marcada uma reunião convocando os comunistas que havia em São Paulo e alguns trotskistas, Lívio Xavier entre eles, para decidir que posição tomar. Lívio e outros achavam que não devíamos fazer aliança para legalizar o PCB por meio desse decreto. Concordavam, nesse sentido, com a orientação do partido naquele momento."

Alarmada, a burguesia de São Paulo pressionou Getúlio e João Alberto acabou sendo substituído no governo paulista. Ele foi para o Rio de Janeiro, como chefe de polícia do então Distrito Federal.

1931. Após a fugaz possibilidade de legalização do PCB em São Paulo, Plínio Mello se reaproxima de Mário Pedrosa e de Lívio Xavier. O grupo de comunistas que, em 1928, havia criticado a falta de democracia interna no partido ficara disperso por algum tempo. A unificação e reorganização desses militantes disperses vai ser obra de Mário Pedrosa. E Plínio estará ao lado do antigo companheiro.

Em meados de 1930, no Rio de Janeiro, organizou-se o Grupo Comunista Lenin (GCL). Com a adesão de significativo número de gráficos paulistas, o GCL dá um salto de qualidade e adere à Oposição Internacional de Esquerda, liderada por Leon Trotsky. Em janeiro de 1931, o grupo passa a se chamar Liga Comunista do Brasil. Entre seus fundadores estão João da Costa Pimenta, Rodolfo Coutinho (ambos também organizadores do PCB, em 1922), Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Aristides Lobo, Benjamin Péret (poeta surrealista francês que vivia no Brasil) e Plínio Mello2.

Expulso do PCB, sem ter conseguido efetivar a legalização do partido no curto governo João Alberto, Plínio considera sua adesão à Liga como uma atitude mais pessoal do que política. Ele diz:

"A minha orientação natural era ir para o grupo do Mário Pedrosa e do Lívio Xavier, mesmo porque eu estava sob a influência mais persistente deles nessa época. A Liga era então um pequeno grupo de militantes. Sua produção literária saía pela Gráfica-Editora Unitas. Mas a atuação desse pequeno grupo era evidente. Era um trabalho de massa no Sindicato dos Gráficos, na Associação dos Comerciários, era algum ligação com operários metalúrgicos. E a penetração do PC não era grande aqui em São Paulo naquela época. Eles se limitavam afazer sua contraposição através do jornal A Classe Operária. O PC nos atacava porque não tinha outro objetivo sendo acabar com o trotskistas no Brasil. Minha atuação se dava mais no Sindicato do Gráficos. Naquele tempo, jornalista era militante do Sindicato dos Gráficos".

1932. Certo dia, ao sair do Sindicato dos Gráficos, Plínio Mello é detido e levado para o Rio de Janeiro. Fica preso por algum tempo.

"Lá, fui colocado num cubículo. Fiquei certo tempo preso e, por iniciativa de um conterrâneo meu, parente do Érico Veríssimo, saí da prisão. Aquele escritor americano3 procurou explorar a história, dizendo que fui solto porque era amigo do João Alberto, que era o chefe de polícia. Não, eu não era amigo do João Alberto. Ele só soube que eu estava preso por meu conterrâneo, que era chefe de gabinete dele".

Depois de solto, Plínio Mello resolveu fixar residência no Rio. Durante algum tempo, militou na Liga Comunista. Com o surgimento de divergências com os militantes da Liga, passou a atuar no movimento sindical carioca: "É quando participo de uma atividade sindical de certo vulto. Tanto que, logo em seguida, fui eleito vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Livro e do Jornal".

1934. Desde 1933 Plínio Mello vinha fazendo a cobertura jornalística da Assembléia Constituinte, como repórter do Diário de Notícias. Em agosto de 1934, durante os trabalhos da Constituinte, juntamente com alguns deputados classistas (representantes de diversas categorias profissionais organizadas), ele participa da fundação do Partido Socialista Proletário do Brasil (PSPB), que se expressava pelo jornal Trabalho. Em seu manifesto-programa, o PSPB afirma que "embora o mundo atravesse uma fase histórica mais que madura para o socialismo, pois o capitalismo já apodrece em seus próprios alicerces, não podemos dizer que a tarefa imediata que temos a realizar em nosso país seja a conquista do poder pelo proletariado. (...) O que se faz preciso (...), no momento, é a organização sindical e política do proletariado, a conquista e a defesa das liberdades democráticas negadas ou ameaçadas pela reação burguesa e a luta pelas reivindicações mínimas e vitais das massas trabalhadoras de todo o país".

O PSPB se propunha como o partido capaz de superar a desorganização do proletariado e de unificá-lo nas lutas. Mas sua atuação se voltou mais para a Constituinte, ao fim da qual ele praticamente deixa de existir: "Nossa atuação se dava mais na Constituinte, através de uma espécie de fração que nós tínhamos. Eu era uma espécie de líder oculto daquela fração. Os principais dirigentes eram o Vasco de Toledo, gráfico da Paraíba, Waldemar Rikdal, metalúrgico do Paraná, João Vitaca, Sabbatino José Casini, Euclides Vieira Sampaio, Orlando Ramos, Carlos Nogueira Branco e Almerinda Farias Gama. Havia uma espécie de bureau político para o exame da matéria a ser discutida e votada na Constituinte. Apresentávamos emendas, sugestões, sustentávamos oralmente. O Vasco, muito inteligente, chegou a debater alguns pontos com o próprio Osvaldo Aranha, que foi à Constituinte uma vez. No fim da Constituinte, há uma dispersão. Alguns elementos continuam líderes sindicais e voltam para seus estados. Eu passo a atuar mais como jornalista".

1935. Após a promulgação da Constituição de 1934, o Brasil é sacudido por uma onda de greves. Impulsionada pelo PCB, surge a Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1935. Com um programa de frente popular, a ANL levanta o movimento de massas. Mas este arrefece e se dilui sem grande resistência quando é decretada a ilegalidade da ANL, em julho do mesmo ano. Seguindo orientações traçadas em Moscou, o PCB prepara uma insurreição para a tomada do poder. A iniciativa não passa de um putsch militar, duramente esmagado pelo governo Vargas, em novembro de 1935. Segue-se massiva onda de prisões. Plinio Mello é encarcerado no navio Pedro I, transformado em presídio político.

Juntamente com outros trotskistas e militantes expulsos do PCB por terem se oposto à preparação da insurreição (Barreto Leite Filho, Febus Gikovate, Augusto Besouchet), no navio-cárcere Plínio Mello redige, de próprio punho, um manuscrito de autocrítica do putsch. Escreveu três números. Foi o bastante para provocar o ódio dos membros do PCB. Correram até rumores de que, se um plano de fuga dos presos tivesse sucesso, aquele grupo seria jogado ao mar.

Após dois anos de prisão sem qualquer processa, Plínio é libertado e resolve esconder-se por algum tempo.

1938. Plínio Mello volta para São Paulo e decide "forçar a legalidade"; passa a trabalhar como jornalista. Por essa razão, tem uma militância limitada no Partido Operário Leninista (POL), nome da organização trotskista da época. Militância limitada que não o impede de influir decisivamente na aproximação de Hermínio Sacchetta e Alberto Moniz da Rocha Barros com o POL. Sacchetta e Rocha Barros foram os principais líderes da cisão do PCB em 1937, contrários ao apoio dado pela direção do partido a um dos candidatos à sucessão presidencial, que não ocorreu em virtude do golpe de Getúlio, instaurando o Estado Novo.

1939. A aproximação dos dois líderes da cisão comunista com o POL resulta, em agosto desse ano, na criação do Partido Socialista Revolucionário, da qual Plínio participa.

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1943. Plínio Mello é eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e, embora mantendo ainda ligações com a militância trotskista, mergulha de corpo e alma na atividade sindical.

"Eu militava no Sindicato dos Jornalistas e, logo depois, por decisão unânime dos companheiros, fui indicado para candidato a presidente. Enfrentei a oposição cerrada dos comunistas, por ser considerado trotskista na época. Eles fizeram carga contra minha candidatura, mas não tiveram vez, eu fui eleito."

O Ministério do Trabalho levou um ano para reconhecer a eleição. Mas, ao fim de muita pressão, a diretoria eleita foi reconhecida, excluídos Vitório Martorelli e Paulo Zingg.

"Fiz um protesto junto ao governo contra a exclusão dos companheiros. Eles queriam a mim, mas não podiam me pegar porque eu tinha certa influência no meio jornalístico de São Paulo. O vice-presidente era o Edmundo Rossi e o secretário, o Lívio Abramo. Eleitos em setembro de 1943, só tomamos posse em outubro de 1944. Na nossa gestão procuramos cortar o cordão umbilical que nos ligava ao governo. Nunca demos satisfação de nossos atos ao Ministério do Trabalho, fazendo o possível para ignorá-lo."

1946. Em setembro, Plínio participa do Congresso Nacional dos Trabalhadores, representando o Sindicato dos Jornalistas, e é indicado como relator da tese sobre liberdade e autonomia sindicais. O relatório final levanta seis pontos: liberdade de elaboração dos estatutos sindicais, fiscalização financeira pelos próprios associados, não-intervenção do poder público, simplificação do processo de organização e legalização dos sindicatos, liberdade de sindicalização, e democracia na organização e funcionamento dos sindicatos. "Infelizmente, o congresso não chegou ao fim", lamenta o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. "Houve uma cisão entre comunistas e trabalhistas na discussão do regimento interno, e os trabalhistas se retiraram do plenário."

Plínio Mello deixa a diretoria do sindicato em 1947. Desde 1945, quando caiu a ditadura do Estado Novo, ele acompanha o processo de reorganização partidária, integrando a Esquerda Democrática. Na sua II Convenção Nacional, em abril de 1947, a Esquerda Democrática transforma-se no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Grande parte dos militantes iniciadores do trotskismo nos anos 30, no Brasil, e que com ele rompem no início dos anos 40, estarão nas fileiras do PSB: João da Costa Pimenta, Aristides Lobo, Fúlvio Abramo, Febus Gikovate, Mário Pedrosa (com seu jornal Vanguarda Socialista) e Plínio Mello, é claro.

"Fui um dos promotores da mudança do nome da Esquerda Democrática para Partido Socialista. Escrevi um artigo sugerindo isso. O PSB era um partido pequeno, de elite, de intelectuais. Tinha muito poucos operários, não era um partido de massa como é o PT hoje. Cheguei a ser secretário-geral regional de São Paulo do PSB."

1955. Como suplente de Rogê Ferreira, assume durante alguns meses a cadeira de deputado, apresentando projetos de reforma sindical e de alteração da lei de férias dos trabalhadores: "Nesse curto período, acho que tive até uma atuação revolucionária, porque eram tão poucas as atitudes revolucionárias no PSB... O projeto de reforma sindical considero até hoje muito bom. Acho que fiz um discurso à margem dos acontecimentos. Não me recordo. Eu sei que as coisas estão se perdendo já, nas nuvens dos meus noventa anos", suspira o velho militante socialista.

1978. Alguns dias depois de encaminhar uma carta de Mário Pedrosa (e sua) a Lula, exortando-o a construir um partido de "consciência proletária", Plínio Mello encontra-se com o líder metalúrgico e lhe pergunta: "'Como é, Lula, gostou da carta do Pedrosa?' E Lula responde: 'Puxa, se gostei! Ele eleva meus cornos à lua, me compara com o Bebel, tinha que gostar"'.

1980. Fiel ao compromisso público com o socialismo, proclamado na Faculdade de Direito de São Paulo, no discurso que fez em agosto de 1927, Plinio Mello irá juntar-se ao Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação. Nessa época, é um velho combatente, de quase oitenta anos de idade, mais de cinqüenta de militância.

1989. Nesta entrevista4, Plinio Mello fala do passado e do presente:

"Política partidária só aparece novamente em minha vida com o PT, do qual me aproximei na época de sua construção, junto com Mário Pedrosa. Tive participação na elaboração da carta do Mário Pedrosa ao Lula, em que ele enaltece as qualidades, a capacidade de liderança do Lula e o eleva às culminâncias históricas de um grande líder socialista, August Bebel. Junto com Pedrosa e outros companheiros, fui fundador do PT. E, na medida de minhas possibilidades, continuo colaborando e acompanhando o partido".

redação final: Dainis Karepovs

Dainis Karepovs é jornalista e diretor do Cemap.

Valentim Facioli é professor universitário, diretor do Cemap e membro do Conselho Editorial de Teoria & Debate.

José Castilho de Marques Neto é professor universitário e diretor do Cemap.

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CARTA A LULA, 1978

(...) valho-me desta carta para lhe testemunhar minha alegria de velho militante socialista por sua firmeza, lucidez e combatividade (...).

Sei que você, cuja liderança vem tomando vulto de norte a sul do país, no movimento da classe operária brasileira, não gosta muito de manifestações de intelectuais na vida sindical. Compreendo e respeito sua ojeriza nesse sentido, pois a História (...) está recheada de exemplos de salamaleques (...) com que certos "intelectuais", mormente em vésperas de eleições, procuram bajular os trabalhadores. (...) desses trejeitos nunca sofri, muito menos hoje, nessa idade em que não se é mais candidato a nada, a não ser continuar fiel às idéias da mocidade. Esta fidelidade às idéias é o que me faz escrever-lhe esta carta e precisamente na Qualidade de intelectual.

(...) Formou-se você em São Paulo, no coração mesmo dessa nova classe. Estou certo de que outros como você estão se formando pelo Brasil todo, aos milhares, às centenas; breve, estou certo, vamos todos tomar conhecimento deles. Já se ouve o reboar desse movimento de classe que sobe das profundezas da terra de Piratininga para os sertões, do Prata ao Amazonas. Esse é o movimento histórico mais importante e fecundo da hora brasileira.

Posso agora sorrir e predizer que o Brasil será um país feliz: a hora da emergência da nova classe operária e da emergência de um Brasil novo, liberto afinal da opressão, coincide. (...)

(...) assim se criarão as condições ideais para que afinal surja, da luta pela redemocratização do Brasil, um movimento operário realmente profundo, livre, nitidamente trabalhista, dentro do qual todas as forças populares legítimas se vão unir para um só ramal, o socialismo: Movimento dos Trabalhadores pelo Socialismo. Cunha-se assim, com a naturalidade das coisas elementares, o partido com a consciência proletária de que você e seus companheiros estão imbuídos. Isso é penhor do futuro: fruto das tradições dos mestres, nutrido do sangue dos nossos heróis proletários. Sem a libertação do movimento trabalhista é inútil falar-se em liberdade, democracia ou socialismo.
Rio, 1º de agosto de 1978

(Carta assinada por Mário Pedrosa, escrita também por PlÍnio Mello, entregue a Lula em 1979.)

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ADEUS, ARCADAS

As últimas aulas a que assisti aqui, na velha Academia de São Paulo, para a qual me transferi cheio de esperanças, vindo da faculdade de Porto Alegre, tiveram para mim a mesma significação daquelas primeiras que ouvi, estupefato, ao entrar para aquela Escola de Direito. (...) a dolorosa consciência da inutilidade social desse mesmo direito. Direito que outra coisa não é do que a sistematização de normas destinadas a beneficiar um classe, relacionando injustiças geradas no seio da sociedade capitalista.

(...) O que interessa agora deverá ser o direito em questão: aquele que é ensinado nas escolas jurídicas do Brasil e aplicado lá fora, nos corpos legislativos e judiciários do país; aquele que, consagrando constitucionalmente o, princípio da igualdade de todos perante a lei, nega na prática o que afirma em teoria; aquele que, endeusando o princípio da liberdade humana, consente as mais condenáveis opressões; aquele que, enfim, nada mais é do que a expressão exata das chaves detentoras do poder. (...) É esse o direito que se apreende lá fora!

(...) É por um dever de consciência que estou tomando vossa atenção. E isto para dizer-vos que renuncio, neste momento, à minha carreira de futuro advogado da classe capitalista para servir, modestamente, como simples militante socialista, à classe trabalhadora, a cujos interesses e direitos pretendo me dedicar pelo resto de minha vida. (...) Não posso mais compreender a significação ética e humana de um individualismo que coloca os interesses materiais acima dos princípios da solidariedade social. Falo só por mim. Talvez por orgulho de me sobrepor aos interesses criados de toda um época; orgulho de ter a coragem de enfrentar vossa inteligência de cabeça erguida; orgulho de possuir o espírito de rebeldia da mocidade do meu tempo! Orgulho, sobretudo, de me sentir pioneiro, nesta Casa, de um movimento socialista que hoje empolga o mundo e que irá transformara na grande sociedade sem classes de amanhã, onde o homem não será mais explorado pelo próprio homem.

Com meu abraço fraterno aos colegas que ficam, com meus cumprimentos respeitosos aos professores que possam compreender este meu gesto e com alguma saudade destas Arcadas generosas que abrigaram tantos ideais da mocidade de outros tempos, vou para a frente, empunhando a nova bandeira do Socialismo, que um dia há de tremular no topo do mastro desta velha Academia, anunciando a nova sociedade que virá!

(Trechos do discurso do estudante Plinio Mello, no pátio da Faculdade de Direito de São Paulo, em agosto de 1927.)

Nota de correção

Com relação à matéria que publicamos em Teoria & Debate no. 7, na Seção Memória, sobre Plinio Mello, vale um esclarecimento a respeito da menção ao Bloco Operário e Camponês. Criado em princípios de 1927, inicialmente sob o nome de Bloco Operário, o BOC teve como objetivo concretizar uma frente única, eleitoral inclusive, entre setores da classe média e do movimento operário. Continua existindo até meados de 1930. Em virtude das críticas da Internacional Comunista - segundo as quais o PCB estaria se dissolvendo no BOC, "colocando o proletariado a serviço da burguesia" -, o BOC desaparece. Há, porém, uma imprecisão na revista que pode deixar indignado o leitor de Teoria &Debate. Ao fim da página 31, relaciona-se a criação do BOC à política que estava em desacordo com a linha ultraesquerdista aprovada pelo VI Congresso da Internacional Comunista de 1928. Logo a seguir, na página 32, fala-se que o IV Congresso do PCB, de janeiro de 1929, teria levado à formação do BOC, o que não é verdade. Este congresso definiu apenas uma orientação política para o BOC, que já estava formado. Neste sentido, proponho a publicação da seguinte errata:

Na página 32, na 139 linha da primeira coluna, onde está escrito "de 1930, que levou à formação do BOC", leia-se "de 1930 e a orientação do BOC".  (Dainis Karepovs)

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