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Programa em comunidades vulneráveis modifica vida de mulheres e tem como estratégia trabalhar questões sociais, econômicas e ambientais para construir desenvolvimento

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Programa da cidade de Corumbá melhora a cidade e muda a vida das mulheres

Programa da cidade de Corumbá melhora a cidade e muda a vida das mulheres. Foto:

Ali, num cantinho do Centro-Oeste, no meio do Pantanal e numa região que parece que as águas do mundo inteiro resolveram escolher para fazer seus leitos, está Corumbá, a margem esquerda do Rio Paraguai. Lá mora uma mulher que mais parece um corisco quando enxerga oportunidades: Silvia Maria Sorrilha.

Através de um programa municipal, em menos de seis anos, de desempregada ela virou calceteira (que faz calçamentos de ruas), instrutora de um programa municipal, estagiária e atualmente funcionária da empresa mineradora Vale, como técnica em química (com carteira assinada), e cursa o 2º ano de Matemática na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Começou fazendo o Educação de Jovens e Adultos (EJA), porque faltava um restinho do ensino fundamental. Em seguida, o ensino médio, em 2009 e 2010. Ficou entre os três primeiros colocados na seleção do Senai e ganhou uma bolsa para o curso Técnico em Química. Estudou muito para obter o certificado de conclusão do ensino médio e uma boa classificação no Enem, o que lhe garantiu uma vaga na UFMS, na unidade de Corumbá.

Para entender melhor a mudança meteórica de vida dessa mulher, é preciso saber um pouco dessa história que parece irreal. Em Corumbá, interior de Mato Grosso do Sul, a dona de casa Silvia, de 39 anos, com cinco filhos (hoje o mais velho está com 17 e o mais novo com 6), viu em 2006 seu casamento desmanchar, ficando com a missão de sustentar sozinha suas crias. Decidida, virou empregada doméstica e tocou a vida como pôde e com uma pequena ajuda de seus pais.

Tudo era muito difícil, e seus sorrisos ficavam cada vez mais raros. Um dia, uma das filhas, que frequentava curso de balé oferecido no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), insistiu para que ela fosse ao Cras assistir a uma apresentação sua e participar de uma palestra que seria ministrada no Dia da Mulher. Depois de muita resistência, Silvia resolveu ir. E afirma que a partir daí começou a viver de verdade.

A palestra abordou vários assuntos, como o papel da mulher na família e a necessidade de mudar para reverter, e o programa da prefeitura Se Essa Rua Fosse Minha, desenvolvido com a participação direta dos moradores.

Silvia decidiu ir até a prefeitura se inscrever. Aprovada nos exames médicos obrigatórios, foi selecionada para fazer o curso de calcetaria, oferecido pelo Senai, parceiro do programa. Com a qualificação, passou a integrar o grupo responsável pelo calçamento das alamedas do bairro onde morava. Assim como os demais, recebeu uma bolsa, oferecida pelo programa, enquanto durou aquela etapa (que varia entre três e quatro meses).

Soberania para as mulheres

O trabalho dela e das outras mulheres era carregar as lajotas do local onde o caminhão da prefeitura descarregava até onde estavam os homens (todos do bairro e qualificados como calceteiros). A eles cabia o trabalho de sarrafear, a medição de meio-fio e o assentamento das lajotas. Silvia achou errada a divisão de trabalho e brigou para fazer tudo o que curso ensinara. Vencedora no embate, atuou como calceteira de verdade e ocupou o cargo de instrutora do programa nos anos de 2008 e 2009.

Sua atitude contagiou as outras mulheres do grupo. Atualmente, elas participam de todas as etapas, incluindo fabricar as lajotas no galpão da prefeitura, e respondem por mais de 60% das vagas oferecidas pelo programa.

No Senai, Silvia descobriu outras possibilidades para mudar o rumo de sua vida. Fez um curso de reaproveitamento de alimentos e sonhou ainda com o de Técnico em Química, também oferecido pela instituição. Sondou o que era preciso para conseguir aquela qualificação.

Diante da exigência de conclusão ou estar no 2º ano do ensino médio, decidiu voltar à escola formal. Não tinha terminado sequer o ensino fundamental. Começa aí o giro de 180 graus que ela deu em sua vida.

Mudanças na vida e sucesso

A história de Silvia Maria Sorrilha virou um “caso de sucesso” do Se Essa Rua Fosse minha. Nas oito etapas concluídas do programa (iniciado em 2006), será que Silvia é a única que conseguiu sair do nível de vulnerabilidade e conquistar significativas projeções nas áreas profissional e acadêmica?

Eulina Marques Vieira, responsável pelo programa, é a pessoa mais indicada para responder, já que o trata como se fosse a ação mais importante da prefeitura.

Ela sabe o nome de praticamente todos os participantes – cerca de 354 – e acompanha a vida de cada um com a ajuda do assistente, Nilson Xavier. Frequentemente ele entra em contato com os ex-participantes para saber o que andam fazendo. Lembra, todo orgulhoso, que a calceteira Célia Maria Ferreira Martins, de 22 anos, está na capital, Campo Grande, trabalhando como servente de pedreiro em uma grande construtora e com um bom salário.

Para Eulina, o programa superou as expectativas quanto à inserção socioeconômica dos participantes e deve concluir mais duas etapas ainda em 2012. A qualificação que oferece estimulou inclusive a Vale a solicitar uma lista de nomes dos calceteiros para futuras vagas na empresa.
Outra mulher citada é Mariane Souza de Oliveira, de 27 anos, do bairro Guató, da oitava etapa. Além do curso de calcetaria, fez o de Almoxarifado, também no Senai. Antes morava com os pais e nunca procurou se qualificar para o trabalho.

A equipe da Teoria e Debate esteve com Mariane. Ela conta que foi aprovada na seleção da Secretaria Municipal de Saúde e já faz parte da Equipe de Combate à Dengue. Elogia muito o programa e afirma que ele abriu as portas para novas experiências, inclusive conquistar um diploma de ensino superior.

Ainda no Guató, conversamos com a dona de casa Mariluce Pereira Mendes, de 38 anos, que tem quatro filhos, trabalhou como calceteira e, logo depois do encerramento da etapa, se qualificou em Cozinha Industrial pelo Senai. Anda testando sua habilidade culinária em casa e planeja atuar no comércio quando se sentir mais segura. Também assistia às palestras que o programa oferecia, de acordo com os temas solicitados pelas comunidades. Numa dessas palestras, que Eulina chama de Rodas de Conversa, descobriu que a melhor coisa para ela e sua família seria oficializar sua relação com o marido.

O casamento civil será marcado e todos os calceteiros da oitava etapa aguardam um churrasco – Mariluce criava algumas cabeças de boi no bairro, foi multada em R$ 1.000, pediu socorro a Eulina (que virou referência de apoio para as comunidades vulneráveis), conseguiu uma boa redução na multa, pagou e levou os boizinhos para a área rural. Os amigos apostam que um deles vai voltar para ser servido como churrasco.

Enquanto a equipe entrevistava Mariluce, passava pela rua um homem com um carrinho de mão vendendo poncã. Era Paulo Silva Munhões, de 43 anos, um talentoso tecelão de redes descoberto pelo programa. Como Paulo cumpria pena em regime semiaberto, Eulina e Nilson Xavier conseguiram autorização da direção do Albergue e inseriram o tecelão no programa.

Agora, durante a semana, sempre sorrindo, ele vende frutas e mandioca pelas ruas e as redes nos fins de semana. Para Paulo, o programa o fez despertar e descobrir formas de gerar honestamente sua própria renda.

Tem ainda Maria Aparecida de Souza, de 41 anos, que nasceu, cresceu e ainda mora no bairro Cristo Redentor. Ela não quis se qualificar como calceteira, mas ofereceu sua casa para a realização das Rodas de Conversa, ajudou a mobilizar a comunidade e afirma que aprendeu muito com as palestras sobre saúde, meio ambiente, direitos humanos, entre outros temas.

Se Essa Rua Fosse Minha

Implantado no final de 2006, o programa atende comunidades em situação de vulnerabilidade. Atua em parceria com secretarias municipais, Senai, UFMS, Procon, INSS, Defensoria Pública, Escola de Governo, artesãos locais e outros. Entre os objetivos, um deles prioriza facilitar o acesso das pessoas com direitos violados aos serviços socioassistenciais e às políticas públicas setoriais, como forma de lhes garantir a identidade, integridade e história de vida.

Em oito etapas concluídas, o programa já beneficiou dezessete localidades (bairros e conjuntos), lajotou 39 alamedas (o que corresponde a 46.340 metros quadrados) e qualificou 354 moradores como calceteiros, com recursos do Fundo Municipal de Investimento Social.

Sob a coordenação de Beatriz Cavassa de Oliveira, titular da Secretaria Especial de Integração das Políticas Sociais, faz parte do plano do governo implantado pelo prefeito Ruiter Cunha de Oliveira (PT) desde sua primeira gestão (2005). A intenção, segundo ela, era implementar ações sociais com a participação direta das comunidades envolvidas.

“Nossa proposta de mudança efetiva no trato com as questões sociais priorizou a inserção das comunidades vulneráveis que estavam à margem da sociedade. Desde o início colocamos no mesmo nível de estratégia de governo as questões sociais, econômicas e ambientais. É assim que estamos edificando um desenvolvimento igualitário e sustentável”, diz o prefeito.

Lúcia Silva é jornalista