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Desde 2004, a cidade paraense conta com lei municipal que torna obrigatória a atuação das escolas em educação ambiental

Política pública de educação ambiental criada a partir das propostas discutidas na cidade de Concórdia do Pará, o projeto Bandeira Verde mobiliza e apaixona, tanto comunidade como gestores. São medidas práticas e educativas para sensibilizar e envolver a população na resolução dos sérios problemas ambientais urbanos e na área rural, de tratamento do lixo ao combate do desmatamento

Projeto une preservação ambiental e educação

Projeto une preservação ambiental e educação. Foto: Arquivo Bandeira Verde

Fazer da educação ambiental uma bandeira é um desafio e tanto para a gestão petista coordenada pelo prefeito de Concórdia do Pará, Elias Santiago, eleito em 2008. Ancorado em uma série de debates feitos nos sindicatos e organizações sociais sobre a necessidade de efetivar ações de meio ambiente, assim que venceu as eleições Elias pôs em funcionamento o Planejamento Participativo Municipal (PPM), do qual emergiu a reivindicação de medidas práticas e educativas para sensibilizar e envolver a população nos sérios problemas ambientais urbanos e na área rural: tratamento do lixo e combate ao desmatamento.

Ali, no coração reivindicatório do PPM, estava a sementinha do Bandeira Verde, um programa de educação ambiental na forma de concurso, abrangendo todas as escolas do município. A cada dois anos, premia em dinheiro os melhores projetos de práticas ecologicamente saudáveis que priorizem a utilização dos recursos naturais disponíveis de forma sustentável, solidária e eticamente correta. A ideia inicial era, a partir da sala de aula, sensibilizar a comunidade e alertá-la para a necessidade de combater o desmatamento e ter cuidado com os rios, mananciais, matas ciliares, fontes e o tratamento adequado do lixo.

“Se fosse apenas um projeto educativo, o Bandeira Verde já seria gigante. Mas é mais que isso. A partir da escola, ensina a comunidade a cuidar das nossas ruas, dos nossos rios, das nossas matas, recuperar as nascentes, conhecer e cuidar do lixo produzido. Sou apaixonada pelo Bandeira Verde”, conta com entusiasmo a professora Ivânia Sousa Nogueira, coordenadora pedagógica da Escola Guadalupe, uma das instituições de ensino premiadas nos dois certames do projeto.

Antonio Carlos Galo, diretor da escola Cristo Libertador, premiada por recuperar a nascente de um importante igarapé, reforça: “O projeto pegou fogo, envolveu toda a cidade, o polo rural e hoje, com apenas dois concursos, já faz parte da vida da comunidade e é muito esperado pela população”.

Educação ambiental é assunto de criança. Foto: Kio Camacho

A formatação do Bandeira Verde é simples: cada escola escolhe um tema e tem seis meses para desenvolvê-lo. Depois, tem um prazo de 20 minutos para a defesa do seu trabalho diante de uma banca de jurados. E, para evitar contaminá-lo com pressões eleitorais, a premiação não coincide com ano eleitoral. Assim, a primeira ocorreu em 2009 e a segunda, em 2011. A próxima será em 2013.

<--break->O despertar para o meio ambiente

Para chegar a Concórdia do Pará, a 150 quilômetros da capital, além de rodovias, há obrigatoriamente uma travessia de balsa. Está situada no Vale do Acará, numa região cercada por madeireiras na década de 1960 que agora cultiva o plantio de dendê para a produção de óleo de palma e biodiesel.

Com apenas 14 anos de existência, desde que foi desmembrado de Bujaru, e cerca de 28 mil habitantes, o município tem enormes desafios, seja na sua sustentação financeira, em itens básicos como saúde, segurança, combate ao narcotráfico, seja no desenvolvimento de ações efetivas de sensibilização, convívio e respeito ao meio ambiente, degradado pela ação das madeireiras.

“Desde 2004, Concórdia conta com a lei municipal 223, que torna obrigatória a atuação das escolas em educação ambiental”, informa o assessor da prefeitura, Alípio Luz. “A lei auxiliou muito o projeto Bandeira Verde a sair do papel e a levar o concurso a todas as escolas da cidade e para 90% das existentes na área rural.”

Educação ambiental é assunto de criança. Foto: Kio Camacho

O primeiro desafio do projeto foi despertar a comunidade para o assunto da educação ambiental, tarefa compartilhada pelos alunos e professores nas visitas às áreas escolhidas para os projetos, movimentação que envolveu muitas reuniões, palestras, avançou para a arte com teatro, pintura e muita integração. A moradora da comunidade Asa Branca, Francisca Maria Lopes, assim respondeu a um questionário aplicado à comunidade: “No meu entender, meio ambiente é nós nos preocuparmos com o que está acontecendo com as coisas da natureza. É olharmos com carinho para os rios, não desmatar nem jogar lixo nas valas”.

Outro desafio foi envolver pequenos proprietários que têm nascentes em suas terras, obtendo não só permissão para a comunidade transitar nas áreas privadas como o compromisso de cuidarem e manterem as nascentes livres de lixo e entulho. Um Termo de Responsabilidade foi assinado por boa parte deles, o que exigiu muita negociação por parte dos alunos.

<--break->Mas, para sair do papel, o Bandeira Verde impôs a integração de todas as secretarias de governo e necessitou de um ativo indispensável em todo projeto que envolve gente e desafios: dedicação e paixão. “Já tínhamos o eixo estratégico da educação ambiental apontado pelo Planejamento Participativo e sabíamos que era preciso sair das palestras soltas sobre meio ambiente para uma ação mais integrada e que chegasse até a comunidade. Um importante norteador foi a leitura de uma dissertação de mestrado de uma cientista social em um jornal, num domingo, segundo a qual 70% das escolas públicas não têm nenhum projeto ambiental.

Conversamos com os educadores, e o Bandeira Verde foi tomando forma”, conta Esilene dos Santos Reis, a professora Cika, coordenadora da educação ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Concórdia do Pará, que atua sob a coordenação da titular da pasta, Marizete do Carmo, mais conhecida como Bibi.

A primeira edição do projeto foi para as escolas e comunidades urbanas e rurais em 2009, sob a coordenação da Secretaria de Meio Ambiente, mas transversal a todo o governo e comunidade.

“Nas duas vezes em que foi realizado, o Bandeira Verde contagiou educadores, alunos e comunidade, saiu da sala de aula, que é o reduto da conscientização, e entrou na casa das famílias, ensinando com leveza as regras do cuidado com a natureza, com o meio ambiente”, diz com brilho nos olhos a professora Márcia Regina Heinem, coordenadora pedagógica da escola Cristo Libertador, uma das premiadas em 2011.

Segundo ela, mais que a premiação em dinheiro, tanto para as escolas quanto para os elaboradores dos projetos, o ponto principal do projeto foi a capacidade de envolver os alunos, seus pais, a cidade e a área rural. “Durante seis meses, que é a fase de desenvolvimentos dos trabalhos, Concórdia respira o Bandeira Verde, respira educação ambiental, e isso tem um ganho na conscientização coletiva que dinheiro algum paga”, ressalta a coordenadora.

<--break->O processo de envolvimento de todos é contado por João Paulo, 14 anos, aluno da escola Cristo Libertador, que escolheu a recuperação de uma nascente de rio: “Primeiro, foi iniciada a conscientização das pessoas que residem próximo à nascente, para que não jogassem lixo nas ruas. Fizemos panfletagem, conversamos com os moradores, e conseguimos limpar e recuperar a nascente que estava quase morta, cheia de muito lixo. Depois do projeto, as pessoas passaram a utilizar as águas para tomar banho e também para lavar roupas. Foi muito importante aprendermos sobre o lixo, e a união de várias turmas, vários jovens falando, aprendendo sobre isso”.

Os erres da mudança

Reduzir, reutilizar, reciclar. Os três erres da mudança passaram a guiar professores, coordenadores pedagógicos, diretores de escola e alunos na implantação do Bandeira Verde, que virou item integrante na vida das escolas de Concórdia, a partir de 2009. E das escolas saiu para as ruas, vicinais, lixões, mercados, feiras e casas das comunidades.

Como bússola de todo o processo de aprendizado coletivo, os três erres perpassaram todos os projetos apresentados. Foi assim, por exemplo, no tema Recicloteca, escolhido pela Escola Aluísio da Costa Chaves, uma das premiadas em 2011. Na Recicloteca, alunos, professores e comunidade fizeram o longo percurso de conhecer, separar e transformar o lixo em utilidades e artes.

Reduzir, reutilizar, reciclar: três erres da mudança em ação. Foto: Kio Camacho

“Todo esse processo tem trazido um aprendizado coletivo de mobilização, participação e cuidados com o meio ambiente, e não só para os alunos e seus pais, mas também para professores e toda a comunidade. É um projeto maravilhoso, que faz bem para a vida de cada um de nós, nossas casas, nossas famílias e o lugar onde vivemos”, ressalta o professor Orlando Paiva Júnior, um dos idealizadores do projeto de limpeza e recuperação da nascente do igarapé Barrozinho, tema vencedor em 2011 pela escola Cristo Libertador.

<--break->Para o diretor da Escola Guadalupe, Francisco Charles Martins de Souza, “o contato permanente, a interação com a comunidade, faz a diferença”. A escola é campeã na arrecadação de garrafas pet para fazer a árvore de Natal da cidade: cerca de 7 mil garrafas. Foi premiada pelo tema: Escola e Comunidade de Mãos Dadas com o Meio Ambiente. E instalou pontos de coleta seletiva de lixo na Comunidade Asa Branca, área de ocupação que antes não tinha coleta nem o caminhão de lixo chegava até lá.

Como política pública de educação ambiental, o Bandeira Verde incentivou também o plantio de novas árvores. Na escola Santa Rita, que fica na área rural, o plantio de trinta mudas de açaí em 2009 já rendeu frutos, incorporados à merenda escolar. Também foi recuperada a nascente do igarapé Areial. Para a diretora da escola, professora Maria de Lourdes Oliveira Furtado, “o Bandeira Verde foi um passo importante na educação ambiental. Agora precisa manter o que foi feito, revitalizando o que se estragou, e insistir até que a educação ambiental vire uma rotina. Isso não se faz da noite para o dia, precisa de incentivo constante”.

A continuidade do Bandeira Verde é também a preocupação do prefeito de Concórdia, Elias Santiago.“Acredito que é indispensável que esse projeto, que deu muito certo, seja institucionalizado, e não apenas um legado da gestão petista. Tem de fazer parte do calendário oficial da cidade e da população”, afirma. “Naturalmente, precisaremos ampliar o apoio de patrocínio ao projeto, que é muito caro para os cofres da prefeitura, e ter condições de manter a limpeza das nascentes, dar um destino ao lixo, cuidar de gente, do meio ambiente e do crescimento da cidade e das pessoas na mesma medida, com equilíbrio e justiça. Porque é preciso não apenas fazer, mas manter, revitalizar o que foi feito e dar continuidade. E isso só com a ajuda de todos, senão a gente não chega nem na esquina”, conclui.

Vera Paoloni e Sílvio Farias Júnior são jornalistas