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Ao lado da família e dos amigos, foi ao PT e sobretudo à luta pela libertação da mulher que Ângela dedicou sua vida

Ângela de Carvalho Borba, militante petista e feminista e conselheira da Fundação Perseu Abramo, faleceu no dia 15 de agosto, aos 45 anos, vítima de um aneurisma cerebral. Inúmeras homenagens lhe foram prestadas por todos que a conheceram, sobretudo petistas e feministas.

Não à toa. Ao lado da família e dos amigos, foi ao PT e sobretudo à luta pela libertação da mulher que Ângela dedicou sua vida. TD, unindo-se a esse conjunto, abre espaço para que pessoas que conviveram intensamente com ela revelem a todos por que o PT e o feminismo perderam tanto no dia 15 de agosto de 1998.

Pacificar? Nada. Ângela era direta e denunciava, acesa, as menores manifestações de injustiça. Mas líder e flexível, agregava as maiores diferenças se nos gestos visse justiça e vontade de mudança.

Deixou doloroso vazio no Partido dos Trabalhadores, no movimento feminista e na vida de familiares e de muitos, muitos amigos, sobretudo no Rio de Janeiro, onde nasceu, vivia e trabalhava.

Ângela era historiadora, formada pela PUC/RJ, mas investia de fato na militância política e feminista. No PT, que apaixonada ajudou a criar, juntava com força e freqüência estas duas pontas: concebeu e viabilizou o primeiro mandato parlamentar feminista do Rio, o de Lúcia Arruda, que dentre outras questões abordava abertamente e com vigor a do aborto; assessorou a Liderança do PT na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, elaborando e colaborando na definição de diversas leis voltadas para os direitos das mulheres, inclusive na Constituinte Estadual; participou da luta pelos direitos das mulheres na Constituinte de 1988; foi membro da Secretaria Nacional de Mulheres do PT; do Diretório Regional muitas vezes; e da coordenação da campanha de Lula à Presidência; candidatou-se, como feminista, à vereança, no Rio e também à Assembléia Legislativa, em 1994; era conselheira da Fundação Perseu Abramo; e valorizava sua participação plena no Núcleo de Mulheres do PT. Por sua atuação acelerada e corajosa, muitas vezes a própria legitimidade de colocarmos nossas questões no interior do PT confundiu-se com o respeito que companheiros tinham à sua pessoa.

Noutros espaços, que gestou e multiplicou, estendeu em parcerias seus sonhos. Muito jovem, na Ação Popular, colaborou na resistência à ditadura militar. Ajudou na fundação de grupos de reflexão, de apoio a mulheres e de divulgação das lutas feministas como a Sociedade Brasil Mulher, a Associação Nós Mulheres e a ONG Ser Mulher. Assessorou numerosos agregados, redes e iniciativas de mulheres no Brasil e na América Latina. Promoveu a gestação do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher. Foi agente ativa na criação das delegacias de mulheres, participante do Fórum Feminista do Rio de Janeiro e da Rede Nacional de Saúde e Direitos Reprodutivos. Registrou, comentou e divulgou inúmeros acontecimentos do partido e da luta das mulheres, em papéis que quase nunca assinou (esta vaidade não tinha).

Foi fundamental na defesa das cotas de mulheres nas direções partidárias, que de maneira firme ajudou a construir. E não pôde ver lançado o livro que ultimamente tanto a mobilizava e que ajudou a organizar, Mulher e Política: Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores, publicado pouco depois de sua morte pela Editora Fundação Perseu Abramo e que inclui artigo seu.

Ângela trazia consigo, no seu comportamento, de maneira muito especial, junções que sua experiência e sua geração por certo ajudaram a provocar: era solidária e crítica; ríspida e doce; disciplinada e tolerante; militante e mãe extremosa; libérrima e exata no amor. Era também uma mulher muito bonita, uma mulher linda. Por tudo o que fez, sentiu e sonhou, descrevê-la pela ponta estritamente pública de sua vida é incompleto. Dentre muitas pontas de tantas estrelas esticadas com sua luz, depoimentos de pessoas bem próximas a ela talvez ajudem a aquilatá-la. Todos os demais, que também ficamos, ainda tontos e cheios de saudade, sabemos que ao menos tivemos a sorte de conhecê-la.

Quando da morte de seu amigo, o poeta espanhol Miguel Hernández dizia:
Temprano levantó la muerte el vuelo,
Temprano madrugó la madrugada,
Temprano estás rodando por el suelo.
No perdono a la muerte enamorada,
No perdono a la vida desatenta,
No perdono a la tierra ni a la nada...

Talvez seja esta "muerte temprana" o que tanto nos dói aos que vivemos sem a promessa de todas as religiões. Esta face a face com a morte, que nos despe da imortalidade em que às vezes nos resguardamos e que nos conferimos. Talvez a revolta da nossa onipotência, que quer poder o necessário, o prazeroso, o certo, o combinado...

Ângela era feita da preciosa madeira das lutadoras, das rebeldes, das imprescindíveis... que o mundo precisa tanto e por isso seu exemplo deve nos iluminar.

Graciela Rodriguez é presidenta do Ser Mulher e membro do coletivo da Sec. de Mulheres do PT/RJ.
Lígia Dabul é professora de Sociologia da UFF e membro do Núcleo de Mulheres do PT-RJ.