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Êxito do Programa Academia da Cidade ultrapassa as fronteiras do Recife e transforma-se em exemplo para ações dos governos estadual e federal

Programa Academia da Cidade atende às necessidades de todas as faixas etári

Programa Academia da Cidade atende às necessidades de todas as faixas etárias da população. Foto: Daniel Rozowykwiat

Há décadas os médicos advertem para a necessidade de realização de exercícios físicos como forma de tratamento e prevenção de doenças. Conseguiram conscientizar algumas pessoas, que passaram a frequentar academias particulares de ginástica, pagando preços muitas vezes exorbitantes, ou caminhando solitariamente por praças e avenidas, sem nenhuma orientação. Somente em 2002, quando o atual deputado federal petista João Paulo Lima comandava a Prefeitura do Recife, pudemos observar o envolvimento do poder público com a questão. Sob a orientação de Humberto Costa, então secretário de Saúde do município e hoje senador eleito pelo PT pernambucano, a ideia foi lançada e posta em execução com a criação do Programa Academia da Cidade.

Além de promover melhores condições de saúde aos recifenses, o programa definiu como objetivos incentivar a prática de esportes e exercícios físicos, oferecer espaços públicos de lazer e veicular informações relativas a formas de alimentação saudável, investindo, assim, na qualidade de vida das pessoas e na elevação da autoestima. No que se refere à intervenção da prefeitura no tratamento de doenças, foi dada atenção especial à importância das atividades físicas para o controle de males crônicos e degenerativos, como diabetes e hipertensão.

O atual prefeito do Recife, o petista João da Costa, explica que nas eleições municipais de 2000 foi construído um plano de governo no qual um dos pontos principais era a inversão de prioridades, baseada numa gestão democrática e participativa. Conforme assinala, entrou em pauta o atendimento das necessidades concretas da comunidade com foco na saúde pública. Tornou-se então fundamental a implantação de uma política de atividade física e de promoção da saúde que se contrapunha ao modelo adotado na época, voltado para a cura em detrimento da prevenção, com um perfil epidemiológico que apresentava alta incidência de mortalidade por doenças cardiovasculares.

Outra questão que serviu para direcionar o programa foi a necessidade de reduzir os casos de obesidade. “Um dos objetivos da Academia da Cidade é combater o sedentarismo e reduzir o número de brasileiros com sobrepeso ou com problemas cardiovasculares”, declarou Humberto Costa, por ocasião da inauguração da primeira unidade do programa, localizada numa praça do bairro de Jardim São Paulo, onde residem famílias de classe média e de baixa renda. As academias foram edificadas levando em consideração todas as faixas etárias da população. Foi concebida também como uma maneira de afastar crianças e jovens do universo das drogas e da criminalidade.

Hoje, o Recife conta com 31 polos, espalhados pelas diversas áreas da cidade, buscando atender, de forma igualitária, todas as camadas da população, das mais ricas às mais carentes. Outras oito unidades encontram-se em construção. Da criação da primeira Academia até agora, a Prefeitura do Recife já investiu mais de R$ 14 milhões em obras, compra de equipamentos e contratação de pessoal especializado.
Cerca de 150 profissionais, entre os quais professores de educação física, nutricionistas e estagiários, atuam no programa, ministrando aulas de segunda a sexta-feira, das 5h30 às 8h30, e das 17 às 21h. Ao todo são realizados aproximadamente 60 mil procedimentos por mês. Cada aula reúne, em média, de vinte a trinta pessoas.

Alguns polos oferecem aulas de acrobacia de solo e ioga, modalidade cada vez mais procurada. As aulas são voltadas ao relaxamento e ao bem-estar psicológico. Outros polos apostam mais em práticas voltadas à integração social, como aulas de dança, festivais, serestas, jogos, passeios temáticos e corridas. Os usuários são estimulados a participar também de reuniões, fóruns, seminários, onde podem expor suas críticas e sugestões para o aperfeiçoamento da Academia da Cidade.

Alegria e bom humor
Josias de Oliveira Pinto, que prefere ser chamado de “o último rei dos judeus”, tem 79 anos, é médico, apresentando-se como o mais antigo frequentador da Academia da Cidade do Parque da Jaqueira. Antes da criação do programa, limitava-se a fazer caminhadas no local. Hoje participa, de segunda a sexta-feira, das aulas ministradas pelos professores de educação física. Com pressão de 12 por 8 e todas as taxas dentro dos padrões de normalidade, ele recomenda: “Esse programa deveria ser imitado por todos os países do mundo, pois modificaria as condições da vida humana, tornando-a muito melhor”.

Francisca Ferreira de Lucena, aposentada, concorda com “o último rei dos judeus”. Aos 64 anos, todos os dias ela frequenta as aulas de ginástica e afirma que melhorou em 100% seus problemas de saúde – osteoporose, hipertensão e dores generalizadas pelo corpo. Garante que os exercícios a deixam muito mais alegre, lhe dão prazer e elevam sua autoestima.

No quesito dança, Agatha Lira, estudante de 15 anos, dedica-se diariamente a ensaiar com um grupo de jovens coreografias para músicas coreanas. Brenda Carvalho, de 21, trabalha em um call center e faz parte do grupo. Junto com Renata Bittencourt, de 18, ela explica que seus integrantes atuam em uma banda e são cover de conjuntos musicais da Coreia do Sul. Entretanto, nenhum deles tem traços orientais.
Já Robson Raimundo, 25 anos, treina acrobacias três vezes por semana na Academia do Sítio da Trindade. Ele é professor, isto é, arte-educador de dois programas sociais em Olinda, o Projovem e o Mais Educação, que lidam com crianças e adolescentes. Jefferson Arruda, 19 anos, desempregado, também faz seus exercícios de acrobacia no Sítio da Trindade. Em três meses de ginástica diária ele revela que os resultados são impressionantes. Sente-se com a resistência física duplicada.

O programa é um dos poucos, no Brasil, avaliados cientificamente até hoje. Segundo estudos relativos às Academias da Cidade realizados pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos e um dos mais renomados do mundo no que diz respeito ao controle de doenças, 80% dos usuários estão muito satisfeitos com os resultados e 84% dos professores estão muito satisfeitos.

A análise verificou ainda que nos locais onde existem Academias da Cidade as chances de as pessoas praticarem atividades físicas triplicaram. Em suas conclusões, o CDC destacou que o programa é uma iniciativa-modelo, com impacto efetivo no incentivo de atividades físicas e de lazer.

Além disso, está quebrando barreiras. Possibilita que mulheres, incluindo idosas e de menor poder aquisitivo, tenham acesso a exercícios. O trabalho contou com o apoio do Banco Mundial e do Ministério da Saúde.

Saúde, festa e diversão

Nas datas festivas, a exemplo do carnaval e de São João, os participantes realizam festas nos respectivos núcleos e entram em contato com os participantes de outras unidades, organizando uma grande manifestação coletiva. Para o professor de educação física Francisco Cordeiro, um dos responsáveis pela Academia da Cidade do Parque da Jaqueira, área nobre do município, além das questões relacionadas à saúde, o mais importante é a integração social que o programa vem demonstrando ser capaz de produzir.
No último carnaval, os participantes reuniram-se na Academia da Cidade do Sítio da Trindade, localizada na zona noroeste, formando um bloco com cerca de 1.500 pessoas, que percorreram as ruas do bairro da Casa Amarela, o mais populoso do Recife. Até o dia da concentração para a festa, houve um período preparatório, em que os professores ensinaram aos frequentadores dos polos como dançar frevo, maracatu e ciranda.

Quando o carnaval chegou, podiam ser vistas fantasias de super-heróis, cangaceiros, palhaços e mascarados exibindo a cara de jogadores de futebol e caricaturas de pessoas famosas. Os que não usavam fantasia exibiam ao menos uma roupa colorida, flores no cabelo ou colares havaianos. Eles foram recebidos no Sítio da Trindade pelo rei e pela rainha do Carnaval Multicultural do Recife.

Antes de partir para o desfile de rua, contudo, os usuários tomaram um café da manhã saudável, com muitas frutas regionais, receberam aulas de alongamento e assistiram a uma coreografia apresentada pelos professores de educação. Receberam ainda orientações sobre a necessidade de beber muito líquido, usar camisinha e, se consumir álcool, não dirigir. Só depois seguiram acompanhando a orquestra “Só Mulheres”, que executou os frevos mais famosos do Recife. Até mesmo o secretário de Saúde, Gustavo Couto, entrou na folia.

O último mês de junho foi em grande parte dedicado a aulas de danças tradicionais do período, como forró, xote, xaxado, baião, quadrilha e coco. Diversos polos fizeram seus festejos individualizados, mas, antecipando o São João, no dia 13, integrantes de todas as unidades reuniram-se no Parque Treze de Maio, no centro do Recife, para o grande “Arraiá da Academia da Cidade”. Em média, 800 pessoas estiveram presentes, dançando e assistindo a peças de teatro. Os integrantes do Programa Consultório na Rua, da Prefeitura do Recife, compareceram ao evento para prestar pequenos atendimentos e advertir sobre os males causados pelo consumo de álcool e de drogas.

Programa multiplica-se

Em 2007, ao assumir o governo de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) decidiu adaptar o Programa Academia da Cidade às necessidades da população das diversas regiões do estado. Utilizando o plural, ele deflagrou o Programa Academias das Cidades. Hoje, os pernambucanos contam com polos espalhados por 159 municípios, divididos entre a Região Metropolitana, a Zona da Mata, o Agreste e o Sertão, onde são desenvolvidas atividades físicas, lúdicas e culturais. Até agora foram investidos mais de R$ 88 milhões e já existem recursos reservados para a construção de mais oito unidades do gênero.

Uma das beneficiadas pela implantação de duas Academias em seu município, Surubim, situado no Agreste Setentrional, é Adelaide Nóbrega. Aos 26 anos, entre as atividades oferecidas, ela escolheu as caminhadas e a dança. Segundo declara, tem verificado várias mudanças no corpo e na mente. Ela destaca o bom humor que se apoderou do seu comportamento em decorrência dos exercícios que vem realizando. As Academias de Surubim são semelhantes às demais, com de pista de cooper, campo de futebol, playground, quadra esportiva, locais preparados para exercícios e espaços de convivência.

Em 2011 foi a vez de a Presidência da República se interessar pelo programa, que foi lançado do mesmo ano, recebendo o nome de Academia da Saúde. Tratava-se de uma promessa de campanha da presidenta Dilma Rousseff que foi implementada pelo ministro Alexandre Padilha. Atualmente existem 94 polos instalados em 88 municípios de vinte estados. Mais 2.246 polos já estão habilitados para construção. A meta do governo federal, entretanto, é implantar 4 mil academias até 2014.

No início de junho foram destinados recursos para construir trinta novas academias em 26 municípios situados em oito estados. Desse total, Pernambuco foi beneficiado com recursos para edificar mais oito. A intenção do Ministério da Saúde, responsável pelo programa federal é incentivar não só as atividades físicas tradicionais como também oferecer oportunidades àqueles que se interessam por tai chi chuan, ioga, música, pintura e escultura, entre outras atividades consideradas importantes para o equilíbrio psicológico.

Reconhecimento internacional

O êxito do Academia da Cidade, além de ter extrapolado as fronteiras do Recife, expandindo-se para o restante do estado e para todo o território nacional, chegou até outros continentes. Tornou-se modelo para a implantação do Programa de Atividades Físicas para Comunidades Latinas em San Diego, na Califórnia. A iniciativa deflagrada nos Estados Unidos tem a Prefeitura do Recife como consultora e para executá-la foi reservado US$ 1,1 milhão.

O programa também foi escolhido entre as cinquenta experiências mais bem-sucedidas do mundo na área de inclusão social pela Universidade de Coimbra, em Portugal, que publicará um livro em quatro idiomas com o objetivo de divulgar as ações iniciadas na capital pernambucana e desenvolvidas em todo o Brasil, para que outros povos possam conhecê-las e delas se beneficiar. Reconhecimentos não faltaram ao Academia da Cidade. Entre outros, recebeu o Prêmio David Capistrano, concedido pelo Ministério da Saúde, e o Prêmio Cidades Sustentáveis, em Bogotá, na Colômbia.

A experiência que começou no Recife mostra o potencial de criatividade e de compromisso com a população assumido por uma prefeitura petista. O segredo é simples: ouvir a comunidade e pôr em prática as prioridades por ela estabelecidas. Afinal, ninguém sabe mais do que precisa que o próprio povo.

Tereza Rozowykwiat é jornalista.