Economia

Nossa estratégia de industrialização precisa voltar-se tanto para o fortalecimento do mercado interno quanto para as exportações

Romper com o estado de oligopolização e desnacionalização e impor a concorrência e desenvolver um setor industrial nacional, tanto privado quanto estatal, são medidas estruturais essenciais para abrir caminho a uma nova industrialização e ao desenvolvimento econômico e social

Brasil precisa ingressar em novo padrão de industrialização

Brasil precisa ingressar em novo padrão de industrialização. Foto: Marcelo Casal Jr./ABr

O debate sobre a reindustrialização brasileira começa a ganhar espaço, embora às vezes se relacione apenas a aspectos da desindustrialização brasileira, supostamente idêntica à dos países capitalistas avançados. Nestes, haveria uma desindustrialização positiva, com expansão produtiva, e desemprego industrial, mas emprego nos serviços. Por outro lado, desligada da anterior, haveria uma desindustrialização negativa, com recessão, estagnação e aumento geral do desemprego.

Na história dos países desenvolvidos, podemos comprovar que eles, em graus diferenciados, começaram sua desindustrialização positiva nos anos 1970, coincidindo com a financeirização e a segmentação produtiva de suas corporações empresariais. Recursos financeiros passaram a ser manipulados, mesmo fraudulentamente, para a obtenção de altos lucros especulativos. E plantas industriais foram transferidas para países agrários ou agrário-industriais para elevar os lucros sobre o trabalho.

Nos anos seguintes, Japão e Reino Unido foram os primeiros a sentir uma transformação da desindustrialização positiva em negativa. Estados Unidos e França ingressaram mais tarde no mesmo processo, enquanto a Alemanha, ao manter parte dos países da Europa como consumidores cativos e se tornar uma das principais fornecedoras de bens de capital para os países emergentes da Ásia, praticou uma segmentação menos intensa, conservando-se ainda como país relativamente industrializado.

Essas desindustrializações estão interligadas no desenvolvimento estrutural dos países capitalistas avançados. Nestes, as forças produtivas atingiram um grau de desenvolvimento tal que já não apresenta condições para uma lucratividade que permita a reprodução ampliada do capital internamente. A especulação financeira e a segmentação produtiva passaram a ser a tábua de salvação e, ao mesmo tempo, as raízes de sua desindustrialização.

A desindustrialização brasileira não se enquadra nos tipos mencionados anteriormente. Embora aqui tenha ocorrido uma “especialização precoce, marcada pelo ganho de peso de setores de menor sofisticação tecnológica” e pela “concentração da estrutura industrial”, como sugere Laura Carvalho (em Teoria e Debate nº 102), isso não resultou de seu processo interno de desenvolvimento industrial. Tais fenômenos também não podem ser creditados à abertura comercial e à falta de dinamismo da demanda doméstica. É preciso relembrar que, desde os anos 1950, o parque industrial brasileiro desenvolveu-se e diversificou-se com alta participação de investimentos diretos de multinacionais estrangeiras e de estatais e grupos privados nacionais.

Esse processo se intensificou a partir da segunda metade dos anos 1960, tendo por base uma força de trabalho recém-expulsa do campo pela modernização financiada do latifúndio. Excedentes populacionais incharam periferias e morros urbanos, ofertando uma mão de obra farta e barata, que beneficiou os capitais estrangeiros e nacionais. Mas isso entrou em crise de recessão e estagnação a partir da primeira metade dos anos 1970, prolongando-se até o início dos anos 1990, pela brusca elevação dos preços do petróleo, pelas tentativas de manter o crescimento com base no endividamento externo e pela reestruturação intensa do capitalismo nos países centrais.

A solução encontrada para sair dessa crise, durante a década de 1990, pode ser chamada de desindustrialização programada destrutiva, seguida de maior desnacionalização econômica. Grande parte das empresas estatais foi vendida, principalmente a multinacionais, para fabricar apenas produtos de alta lucratividade no mercado externo, como ocorreu com as siderúrgicas. Inúmeras plantas privadas também foram vendidas para capitais externos. Muitas delas foram fechadas e seus equipamentos transferidos e relocalizados em países de força de trabalho mais barata, como aconteceu com diversas indústrias químicas, que tornaram o Brasil de produtor em importador.

A isso acrescente-se o aumento da concentração e centralização de diversos ramos e setores industriais, de acordo com os interesses das corporações estrangeiras em manter sistemas de monopólio ou oligopólio, como nas indústrias automobilística e farmacêutica, só para ficar nos exemplos mais conhecidos. A especialização precoce da indústria brasileira resultou, portanto, da reestruturação capitalista em níveis globais, na qual o Brasil foi tomado não como um país soberano, mas um provável locus de segmentação.

Desindustrialização e desnacionalização foram aspectos conjugados de um processo que utilizou a liberalização comercial e o baixo dinamismo da demanda e da economia como instrumentos de controle e de competição externa. Limitação de investimentos e de novas atividades, sucateamento da infraestrutura, fragmentação das cadeias produtivas, desintegração de parte substancial do parque industrial e expansão e favelização da pobreza e da miséria resultaram das ações de economia política que procuraram incluir o Brasil na globalização capitalista como território submisso ao capital transnacional.

Nessas condições, a desindustrialização atual não passa de um resíduo inercial daquela desindustrialização programada destrutiva, imposta ao Brasil. Com a reversão da economia política, após 2002, no sentido do desenvolvimento econômico e social, a desindustrialização inercial se transformou em sério problema conjuntural, no contexto dos problemas estruturais que precisam ser atacados para reindustrializar o país, pressupondo-se ser dispensável discutir a necessidade imperiosa da indústria como principal fator de geração de riqueza nacional e redistribuição de renda.

Em outras palavras, a desindustrialização inercial só poderá ser sustada se ingressarmos num novo padrão de industrialização, que tenha em conta a complexidade do que restou de indústria no Brasil e os novos desafios de um mundo globalizado. Por um lado, temos uma indústria só brasileira no nome, já que a maior parte dela pertence a corporações transnacionais. Além disso, as corporações nacionais também adotam o poder de monopólio para impor preços em geral acima dos praticados no mercado internacional.

Portanto, romper com esse estado de oligopolização e desnacionalização e impor a concorrência, ou a competição empresarial, e desenvolver um setor industrial nacional, tanto privado quanto estatal, são medidas estruturais essenciais para abrir caminho a uma nova industrialização e ao desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Por outro lado, temos milhares de empresas micro, pequenas e médias, muitas das quais fornecedoras das corporações estrangeiras e nacionais. Algumas são tecnologicamente avançadas, mas a maioria utiliza tecnologias tradicionais, com a vantagem de ser intensiva em trabalho. As medidas governamentais para desburocratizar, desonerar e facilitar crédito a essas empresas custam a chegar na ponta, e muitas vezes não chegam. Isso num contexto em que o problema central reside em que, do ponto de vista estrutural, se houver a decisão de recriar uma industria nacional, são essas empresas que, ao lado das estatais sobrantes, podem fornecer a massa empresarial para reerguer o setor nacional da indústria.

Finalmente, a reprodução ampliada do capital só ocorre tendo por base um capital acumulado. Muita gente acha que o Estado brasileiro tem capital acumulado suficiente para realizar, na escala necessária, tal reprodução ampliada. Na prática, para atingir o volume suficiente de recursos necessários para elevar sua taxa de investimento e alavancar o desenvolvimento industrial, econômico e social, o Estado teria de utilizar bem mais que os 3% do PIB que guarda como garantia de pagamento da dívida pública. Em outras palavras, o Brasil ainda depende da atração de capitais externos.

O que coloca um desafio extra à superação da oligopolização e da desnacionalização. Isto é, para evitar que estas se acentuem e para fazer com que os capitais externos contribuam para adensar as cadeias produtivas estratégicas e transfiram novas e altas tecnologias para as empresas nacionais, a atração de investimentos externos exigirá uma engenharia empresarial complexa que só o Estado será capaz de realizar, desde que tenha clareza sobre o assunto.

Nesse sentido, as questões principais a discutir não são aquelas relacionadas com estratégias de industrialização voltadas para o consumo ou para as exportações. Essas estratégias precisam resultar das estratégias estruturais e partir de pressupostos consistentes. Por exemplo, o Brasil tem tamanho para crescer e desenvolver seu setor industrial, mas não um mercado interno com dinamismo que lhe permita basear-se exclusivamente nele. Um mercado em que mais de 50% da força de trabalho subsiste com renda inferior a 1,5 salário mínimo, e se confronta com preços elevados, tem limitações estruturais que precisam ser superadas para ganhar um dinamismo de autossustentação.

Por outro lado, a suposta negatividade das estratégias de exportação parte de pressupostos equivocados sobre a crise dos países desenvolvidos e a desaceleração do crescimento chinês, além de não levar em conta o que hoje representam os mercados da Ásia, África e América Latina. A crise reduziu a capacidade importadora dos países desenvolvidos, mas não pode liquidá-la, a não ser que eles imponham racionamentos à sociedade. A desaceleração do crescimento chinês é uma meta buscada há mais de dez anos, para reduzir as tensões de um crescimento muito rápido e reforçar o mercado interno. Assim, ao invés de fechar, pode abrir uma série de janelas para elevar as importações daquele país. Já os demais países asiáticos vêm combinando a exportação de manufaturados com o fortalecimento do mercado interno, enquanto vários países africanos e latino-americanos ingressaram no crescimento econômico, abrindo diversas possibilidades para as exportações brasileiras.

Além disso, para industrializar-se o Brasil terá de importar, durante um período relativamente longo, bens de capital e tecnologias, a não ser que queira reinventar a roda. Realizar exportações de bens primários e, também, de bens manufaturados é uma maneira não só de compensar tais importações, mantendo equilibrada a balança comercial, mas de testar nossa capacidade competitiva e estimular a indústria brasileira a um esforço real de inovação e de elevação da produtividade. Assim, nossa estratégia de industrialização precisa voltar-se tanto para o fortalecimento do mercado interno quanto para as exportações.

Mesmo porque, no atual mundo globalizado, não será possível escapar da necessidade inelutável de elevar a competitividade em relação aos produtos dos demais países. Esse não é apenas um problema de câmbio, redução ou aumento do custo unitário do trabalho. Diz respeito, principalmente, à elevação do conteúdo tecnológico da indústria, com a crescente inovação na aplicação das ciências e tecnologias, à redução dos custos logísticos (talvez o principal fator do chamado custo Brasil) e ao aumento da concorrência, com a eliminação do poder de monopólio que vigora em vários setores. Ou seja: ou nos concentramos na discussão de como superar os problemas estruturais de nossa reindustrialização, para superar os problemas conjunturais, ou nos concentramos nestes e continuaremos patinando.

Wladimir Pomar é membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate