Economia

Apesar do baixo crescimento verificado nos últimos dois anos, o volume de empregos segue em expansão significativa

Nos últimos dois anos, a alta nos números do emprego continua significativa apesar do baixo crescimento econômico. Essa aparente “blindagem” do emprego contra o mau desempenho do PIB deve ser compreendida levando-se em conta a estrutura do mercado de trabalho herdada do governo Lula e as características da desaceleração recente do PIB

Cenário internacional e mudanças na economia do país geraram crescimento

Cenário internacional e mudanças na economia do país geraram crescimento. Foto: Rodrigo Paiva/FolhaPress

Durante muitos anos, argumentou-se que para reduzir as taxas de desemprego seria necessário sustentar taxas de crescimento do PIB superiores a 4% ou 5%. No entanto, apesar do baixo crescimento verificado nos últimos dois anos, o volume de empregos segue em expansão significativa.

Para tentar entender isso, devemos observar as alterações ocorridas no mercado de trabalho ao longo do último ciclo de crescimento iniciado no primeiro governo Lula, a desaceleração recente do crescimento econômico e a tentativa de constituir um novo ciclo de crescimento a partir da elevação do investimento.

O ciclo de crescimento e os impactos no mercado de trabalho

Muito já foi dito acerca do crescimento econômico brasileiro a partir do governo Lula, atribuindo tal fato tanto à sorte quanto a alterações estruturais na economia brasileira. Enquanto alguns analistas enfatizam o cenário internacional favorável, ao menos até 2007, como fator determinante para o crescimento observado no ciclo 2004-2010 (excetuado 2009, ano em que a crise internacional atingiu o Brasil), outros dão maior importância para a distribuição de renda e a elevação do crédito.

É sensato dizer que, de alguma forma, todos esses fatores influíram diretamente no processo de crescimento, em maior ou menor grau, a depender do momento. No início do primeiro governo Lula, o fator primordial foi a grande liquidez mundial e a crescente demanda por matérias-primas, que fez com que nossas principais empresas exportadoras de commodities investissem para atender à nova demanda, em particular advinda da China. Em um segundo momento, a facilidade de acesso ao crédito conjugado a políticas efetivas de distribuição de renda, por meio de aumentos do salário mínimo e demais salários ou programas sociais como o Bolsa Família, teve importância central para impulsionar um verdadeiro ciclo de duráveis na economia brasileira, interrompido apenas pela crise internacional em 2009. A partir de então, o ciclo de duráveis parece arrefecer e busca-se um novo arranjo de crescimento, mais baseado no investimento que no consumo.

A fase de crescimento no período 2004-2010 (gráfico 1) possuiu características particulares e deixou diversos legados que devem ser considerados para compreendermos a atual dinâmica do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo em que foi um período de elevado crescimento do produto, foi também um período que conjugou juros altos e câmbio valorizado, abalando a competitividade do setor industrial nacional, que passou gradativamente a sofrer desarticulações na cadeia produtiva. Por outro lado, a ampliação do acesso ao crédito, o aumento do salário mínimo e dos outros salários e a ascensão social da classe D e E fizeram com que parte importante da população, que se encontrava excluída do mercado, passasse a demandar mais mercadorias e serviços. A demanda por mercadorias, em particular as de maior valor agregado, era atendida a preços cadentes pelas importações, com um impacto marginal na indústria. Já os serviços tinham de ser prestados localmente, dinamizando a economia nesse setor. Apesar de ser possível observar crescimento na indústria, este ocorria em um ritmo inferior àquele observado no setor de serviços.

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Esse crescimento setorialmente desigual teve impacto na estrutura do mercado de trabalho, historicamente puxado pelo setor industrial. A criação de empregos dessa vez se concentrou no setor de serviços. Este, na maior parte de seus segmentos, possui uma produtividade inferior ao emprego industrial. É possível afirmar que a queda na taxa de desemprego não se traduziu em aumento da produtividade, trazendo um problema complementar de competitividade ao conjunto da economia brasileira em face de outras economias dinâmicas do mundo atual.

A demanda por trabalho veio crescendo. Ao mesmo tempo, a oferta de novos trabalhadores se reduziu com a mudança demográfica em andamento hoje no Brasil. O envelhecimento da população reduz o número de entrantes a cada ano no mercado de trabalho e a melhoria da renda familiar retarda a entrada dos filhos. Com oferta decrescente de mão de obra e demanda crescente por empregados de baixa e média qualificação, é normal que a dinâmica dos salários siga uma trajetória de elevação, inclusive na indústria, refletindo-se em nova demanda por serviços, o que resulta em novos postos de trabalho nesse setor.

O enigma do baixo crescimento com emprego crescente

Após a crise econômica afetar negativamente o PIB de 2009, fazendo com que o Brasil sofresse uma pequena retração econômica, 2010 foi um ano de retomada acelerada do crescimento. Rapidamente a economia voltou aos patamares pré-crise e iniciou o que parecia ser um ciclo de forte crescimento. No entanto, 2011 e 2012 registraram taxas baixas, frustrando as expectativas mais otimistas do governo e mesmo de parte dos analistas do setor privado.

As razões levantadas para esse desempenho ruim do PIB são diversas: a ação do governo de combate à inflação (aumentando juros e reduzindo despesas no início do governo Dilma), o agravamento da crise internacional (em particular na Europa), a redução do crescimento de nossos principais parceiros comerciais (em particular da China), o fim do ciclo de duráveis, a limitação ao crescimento do crédito, dadas as altas taxas de juros etc.

Apesar disso, entre 2011 e 2012 o país criou 3,7 milhões de postos de trabalho, reduzindo a taxa de desemprego e melhorando a distribuição de renda. Essa aparente “blindagem” do emprego contra o mau desempenho do PIB deve ser compreendida levando-se em conta a estrutura do mercado de trabalho herdada do governo Lula, descrita anteriormente, e as características da desaceleração recente do PIB. Destas, a maior, nesse período, foi a redução dos investimentos e do setor industrial, preservando-se o crescimento da demanda corrente e do setor de serviços.

Conforme é possível observar no gráfico 2, a atual desaceleração do PIB não se refletiu em desaceleração da demanda interna. A manutenção de um forte ritmo de crescimento da demanda reflete a resistência do mercado de trabalho à queda da atividade e a manutenção da concessão de crédito em patamares historicamente elevados. Dado que a dinâmica do mercado de trabalho passou a ser ditada principalmente pela evolução do setor de serviços, o nível de desemprego permaneceu em queda. Esse processo explica em parte o enigma de como a economia brasileira, mesmo reduzindo sua taxa de crescimento, logrou manter elevadas taxas de geração de emprego.

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O setor de serviços corre o risco de ser afetado caso o crescimento do PIB não retome sua trajetória de expansão? Certamente, no médio prazo. Caso os investimentos não voltem e o setor industrial se mantenha estagnado, a dinâmica do setor de serviços irá arrefecer, prejudicando, por fim, o mercado de trabalho e o crescimento do emprego. É a partir dessa avaliação que a presidenta Dilma tem tomado várias medidas para recuperar o investimento e reativar o setor industrial.

A retomada do crescimento puxada pelo setor industrial é capaz não apenas de gerar empregos na indústria, mas também de dinamizar os setores complementares à atividade industrial, como o próprio setor de serviços. Mais que isso, sabe-se que a qualidade do emprego industrial, no que tange à qualificação profissional e ao salário, é superior àquela comumente encontrada no setor de serviços. Assim, a retomada do investimento na indústria e na infraestrutura será capaz de iniciar um novo ciclo de crescimento sustentável para a economia brasileira, criando novos e melhores empregos e pavimentando o caminho para prosseguir em políticas que constroem uma sociedade mais justa e menos desigual.

Guilherme Mello é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura do Instituto de Economia da Unicamp (Cecon-IE/Unicamp)