Economia

A política macroeconômica praticada desde 1990 leva à destruição de partes significativas da estrutura produtiva e do emprego sem estabelecer uma nova base de desenvolvimento, com forte apoio na geração de empregos

A partir do início dos anos 80, o Brasil passou a conviver com um conjunto de restrições internas e externas ao pleno desenvolvimento das forças produtivas. A queda e a permanência de taxas de investimento (como proporção do produto) relativamente baixas revelam a reduzida capacidade de recomposição e ampliação do parque produtivo nacional nos últimos dezessete anos. Além da insuficiente performance dos investimentos, observa-se também que a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) por habitante termina reproduzindo um comportamento geral de estagnação da economia brasileira. Apesar da importante recuperação do PIB per capita ocorrida nos últimos quatro anos (1993-97), o seu valor real, em 1997, foi apenas 3,2% superior ao de 1980.

Essas informações são fundamentais, pois permitem identificar rapidamente que as mudanças estruturais em curso na economia brasileira não se mostram suficientes para viabilizar a necessária construção de um novo modelo de crescimento socioeconômico sustentado. Em outras palavras, o projeto nacional de reinserção no mundo globalizado não vem sendo acompanhado da melhora dos indicadores econômicos – base de sustentação para possíveis avanços sociais.

As medidas macroeconômicas em curso desde 1990 levam a uma certa desintegração da cadeia produtiva e mostram-se, até o momento, mais eficazes na destruição de parte significativa da estrutura produtiva e do emprego do que no estabelecimento de uma nova base de desenvolvimento, com forte apoio na geração de empregos. A desarticulação no interior de várias cadeias produtivas resulta, por conseqüência, na maior heterogeneidade da base econômica, com a modernização de empresas na ponta e o retraimento, fechamento e desnacionalização de outras ao longo da cadeia produtiva.

A descentralização da produção torna-se mais visível com a fragilização dos segmentos industriais (autopeças, brinquedos, têxtil, calçados, vidros, naval, máquinas e equipamentos, entre outros) estabelecidos, previamente, em regiões industriais tradicionais. Simultaneamente ao encolhimento do setor secundário e, por conseqüência, dos empregos regulares, ocorre um aumento da participação das ocupações no setor terciário, porém essa ampliação relativa sempre se verifica na mesma quantidade, qualidade e remuneração dos empregos do setor secundário da economia.

Por outro lado, o país perde participação no comércio mundial (as exportações atuais apresentam menor participação relativa no total mundial que nos anos 80) e faz crescer a absorção de bens e produtos importados. Ao mesmo tempo, a privatização do setor público estatal parece ocorrer desarticulada da elevação necessária dos investimentos, permitindo repetir, de certa forma, a realidade dos anos 50, quando predominava a lógica de buscar o lucro incessante através de equipamentos obsoletos em setores estratégicos nacionais.

Em síntese: os efeitos combinados, a partir de 1990, de políticas recessivas, de desregulação e redução do papel do Estado, de abertura comercial abrupta, de taxas de juros elevadas e de apreciação cambial seriam responsáveis pela montagem de um cenário desfavorável ao comportamento geral da economia, que se reflete, sobretudo, no padrão de uso e remuneração da força de trabalho. Nesse sentido, o desemprego elevado e a maior precarização das condições e relações de trabalho seriam resultados diretos da orientação geral da política macroeconômica. O desemprego, portanto, não seria um fenômeno inevitável, sobretudo se a orientação das políticas macroeconômicas não promovesse uma reinserção externa passiva e subordinada aos interesses de organismos internacionais e de países avançados.

De fato, os efeitos negativos das políticas macroeconômicas para a produção e o emprego nacionais são identificados como decorrência, em parte: a) das mudanças no mix de produção doméstica (substituição de produtos intermediários e de bens de capital produzidos internamente por importados); b) da ausência de políticas industrial ativa, comercial defensiva e social compensatória; c) do ambiente de competição desregulada; d) do cenário de câmbio apreciado e juros reais elevados.

A atual situação do trabalho no Brasil aponta para uma trajetória muito distinta daquela observada entre as décadas de 30 e 70. Até então, o mercado de trabalho havia apresentado fortes sinais de sua estruturação em torno do emprego assalariado regular e dos segmentos organizados da ocupação. Com a presença de taxas elevadas de expansão dos empregos assalariados com registro formal em segmentos organizados e a redução da participação relativa das ocupações assalariadas sem registro, sem remuneração, por conta própria e do desemprego, verificou-se uma possibilidade real de incorporação crescente de parcelas da População Economicamente Ativa ao estatuto do trabalho brasileiro.

É claro que a dinâmica positiva do emprego não resultou na plena resolução dos problemas tradicionais do mercado de trabalho em países subdesenvolvidos, como o baixo salário, a desigualdade de rendimentos, a informalidade e o subemprego. Todavia, o movimento de estruturação do mercado de trabalho – mesmo sem ter alcançado os níveis de homogeneização das economias avançadas, em grande parte explicados pela ausência das três reformas clássicas do capitalismo contemporâneo (agrária, tributária e social) – criava condições de maior inclusão social.

A comparação dos dados a respeito da inserção da População Economicamente Ativa (PEA) entre os anos 1940 e 1980 permite, por exemplo, observar uma tendência crescente de incorporação de trabalhadores no núcleo moderno da economia. Para cada dez ocupações geradas no período, oito eram assalariadas, sendo sete com registro e uma sem registro. As ocupações por conta própria, os sem-remuneração e os empregadores representavam apenas 20% do total dos postos de trabalho criados para o mesmo período.

Essa tendência foi interrompida na década de 80. Mas foi nos anos 90 que os sinais de desestruturação do mercado de trabalho assumiram maior destaque, apontando para uma situação de crescente exclusão de parte da PEA do núcleo moderno da economia. Nesse contexto, três são as características fundamentais do comportamento da População Economicamente Ativa brasileira.

A primeira está associada à forte elevação do desemprego, mais que o dobro no período atual em relação ao final dos anos 80. Em 1996, por exemplo, a taxa nacional de desemprego atingiu 7,2% da PEA, segundo a PNAD, representando mais de 5 milhões de brasileiros. Sete anos antes, em 1989, a taxa de desemprego era de apenas 3%, o que significava não menos de 2 milhões de brasileiros, e, em 1993, o desemprego atingia 4,4 milhões de pessoas (6,5% da PEA). Em relação à metodologia de mensuração do desemprego desenvolvida pelo Dieese/Seade – a mais adequada para a realidade do mercado de trabalho de países subdesenvolvidos – também se verifica a duplicação da taxa de desemprego, tendo na Grande São Paulo, por exemplo, passado de 8% em 1989 para mais de 16% em 1997.

A segunda característica da inserção da PEA diz respeito ao movimento de desassalariamento, ou seja, à diminuição da participação relativa dos empregos assalariados no total da ocupação. Em 1996, por exemplo, o segmento assalariado no país representava quase 59% do total da ocupação, enquanto em 1989 correspondia a 64%. Uma das principais causas explicativas do estágio atual do desassalariamento parece residir na eliminação dos empregos formais, posto que os empregos sem registro continuam aumentando, ainda que a taxas reduzidas e decrescentes.

A terceira característica, por fim, refere-se à geração de ocupações precárias e de produtividade reduzida. A maior parte das vagas abertas no mercado de trabalho não são assalariadas e sim ocupações por conta própria, além dos sem-remuneração e de empregador, enquanto os empregos assalariados que surgem são, na sua maioria, sem registro. Nos anos 90, para cada dez novas ocupações geradas, oito são não-assalariadas e duas assalariadas sem registro.

Com a desestruturação do mercado de trabalho, a exclusão de maiores segmentos da PEA parece inequívoca. O projeto nacional de reinserção no mundo globalizado não reverte essa situação iniciada já nos anos 80. Pelo contrário, tende a aprofundá-la, pois após a perda de 2,2 milhões de empregos formais na recessão do governo Collor (1990/92), o volume de emprego permanece praticamente idêntico desde 1993, mesmo com a recuperação do PIB.

Ademais, o movimento de exclusão da PEA passa a conviver com maior dependência da economia nacional em relação ao mundo globalizado. As duas crises cambiais que ocorreram nos últimos três anos (fins de 1994 no México e fins de 1997 nos países asiáticos) foram acompanhadas por um retrocesso no nível de atividade econômica no Brasil. A contenção do gasto e do crédito público, com elevação dos juros, impuseram a desaceleração nas taxas de crescimento econômico e, por sua vez, a redução do emprego e elevação do desemprego, o que contribui ainda mais para a exclusão de determinados segmentos do mercado de trabalho (pessoas mais velhas, de baixa escolaridade, jovens, negros). A discriminação da PEA torna-se crescente e extremamente desfavorável ao conjunto da força de trabalho.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia, pesquisador e diretor-executivo do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp