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Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, discorre sobre vitórias e desafios para o país na questão ambiental

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, discorre sobre vitórias e desafios para o país na questão ambiental: os novos instrumentos utilizados para conter o desmatamento na Amazônia, que em 2009 terá a menor marca dos últimos 21 anos, as negociações com setores da sociedade e a aprovação do Plano Nacional de Mudanças Climáticas

Deputado estadual pelo PT por vinte anos, Minc propôs 122 leis nesse período, metade delas relativas a meio ambiente. Foto: Jefferson Rudy/MMA

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Qual o balanço da atuação do governo Lula em meio ambiente?  
Estamos com seis anos e meio de governo e eu estou há um ano e três meses à frente do ministério. Acho que esta gestão mudou muito a questão ambiental no Brasil. Não havia reservas extrativistas, não havia o esforço de integrar outros ministérios à questão ambiental. Na nossa gestão, da ministra Marina Silva e minha, foram criados em torno de 30 milhões de hectares de unidades de conservação, entre parques e reservas extrativistas. Avançou-se muito em política indígena. Depois de séculos, a população indígena, que era de 5 milhões, passou a 300 mil, agora subiu para 480 mil. Há terra demarcada, homologada, menos agressão, algum apoio na área da saúde... Houve muitos avanços nas elaborações sobre a biodiversidade, para envolver setores da academia, da pesquisa. Temos a experiência de envolver a sociedade na questão ambiental, as grandes conferências de meio ambiente. Da terceira, participaram mais de 400 mil pessoas em todo o Brasil. Estimulamos os órgãos públicos a adotar posturas ambientais, economizando água, energia, reciclando papéis. Houve avanços consideráveis no licenciamento, incorporação dos seringueiros e castanheiros na defesa ambiental.

Demos continuidade às políticas da ministra Marina, mas também inovamos em vários campos. O Brasil não tinha, por exemplo, plano de mudanças climáticas, metas de redução do desmatamento e Fundo Amazônico, motivo de crítica nos fóruns internacionais. Reforçamos o discurso que estava sendo feito, e criamos o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que foi submetido à consulta pública, recebeu algumas críticas e as principais nós incorporamos.

Quais foram incorporadas?  

A primeira versão do plano não tinha metas em geral, metas de redução do desmatamento da Amazônia, para o aumento do etanol e do biocombustível, para reciclagem, para a eficiência energética. O plano que o presidente Lula assinou no dia 1º de dezembro tem todas essas metas e, pela primeira vez, o Brasil foi elogiado por Ban Kimoon, secretário-geral da ONU, e por Al Gore, pelas iniciativas.

Por três anos seguidos, a ministra Marina conseguiu derrubar o desmatamento, somando cerca de 60%. No último ano, porém, voltou a crescer, e nós tivemos de criar uma série de novos instrumentos, que deu resultado. Tanto que neste ano teremos o menor desmatamento dos últimos 21 anos, que é o tempo que se faz esse monitoramento no Brasil.

Quais foram os mecanismos utilizados para essa inversão?  

Foram vários tipos, vou acentuar os mais importantes. Fizemos um acordo com o ministro Tarso Genro, criando a Coordenação Interministerial de Combate aos Crimes e Infrações Ambientais (Ciccia), com Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Força Nacional, MMA e Ibama, e eu passei a ter poder de convocar a Força Nacional. Então, triplicamos as operações, fizemos barreiras nos entroncamentos rodoviários, cortamos o crédito dos desmatadores ­ desde 1º de julho quem estiver ilegal do ponto de vista ambiental e fundiário não recebe um tostão de banco público e privado. Também fizemos pactos com o setor privado, com exportadores de soja, que foi a moratória da soja, com o setor madeireiro ­ aumentar a oferta de madeira legal, certificada e de manejo ­, com o setor minerador, com os bancos públicos e outro com os privados. O da soja foi um sucesso. Eles só compram soja de áreas que não tenham sido desmatadas de 2006 para cá e, em contrapartida, nós nos comprometemos a concluir o zoneamento econômico e ecológico da Amazônia até janeiro de 2010 e fazer a regularização fundiária, que teve a lei aprovada. Foram três monitoramentos para ver se o pacto da moratória da soja estava funcionando, e o resultado foi positivo em 96% dos polígonos analisados. A soja deixou de ser fator relevante de desmatamento da Amazônia.

Além das medidas repressivas, arco de fogo, corte de crédito, e do acordo, a mais interessante foi o Arco Verde. Não se resolve um problema que tem base econômica com polícia, e sim com bases em um outro desenvolvimento.

O que é a Operação Arco Verde?  

Conseguimos há poucos meses lançá-la na Amazônia, com a Casa Civil, doze ministérios, o presidente Lula e 25 órgãos governamentais, levando à população alternativas para produção. Estamos começando pelos 43 municípios responsáveis por 55% do desmatamento da Amazônia. A Embrapa mostra como fazer a agricultura de bom rendimento e baixo impacto para aproveitar a área já aberta e não abrir novas; o Basa e o Banco do Brasil dão dinheiro para empreendimentos sustentáveis; e nós, do ministério, com o Serviço Florestal Brasileiro, ensinamos a fazer manejo comunitário, para usar a madeira para as fábricas de móveis sem destruir a floresta. O Ministério do Desenvolvimento Agrário chega com regularização fundiária, que ajuda a inibir a violência na luta pela terra e o desmatamento. E assim por diante. Há 24 milhões de pessoas morando na Amazônia. Insistimos, por exemplo, e o presidente Lula assinou, em um preço mínimo para produtos extrativistas. No Brasil, sempre teve preço mínimo para os produtos de exportação dos latifundiários, cana, soja, mas nunca para borracha, castanha, pequi. Isso ajuda a garantir vida digna a nossos extrativistas mantendo a floresta em pé.

Qual a relação desse projeto com o Amazônia Sustentável?  

O programa Amazônia Sustentável foi feito por vários ministérios, e o MMA teve uma atuação importante. Demorou muito a sair do papel porque tinha medidas que exigiam coordenação, recursos etc. É bom, mas não está quantificado em matéria de investimentos. São diretrizes para um desenvolvimento sustentável de vários setores, uso de hidrovias, indústrias não poluentes, educação, saneamento.

O MMA conseguiu, com o MDA, efetuar a regularização fundiária, lei que acabou vendida como ruim para o meio ambiente, o que não é verdade. Os ambientalistas sempre disseram que sem regularização fundiária não existiria política pública na Amazônia. No Pará, cada terra tem cinco donos, cada cartório tem cinco andares, por trás de cada papel tem um político. Como saber quem multar ou ajudar com crédito para recuperar a reserva legal? A discussão sobre regularização fundiária se dá a partir de quem deve ser regularizado, até que tamanho e com que fiscalização. O projeto que o presidente Lula enviou à Câmara foi desvirtuado em alguns pontos pelos ruralistas, que introduziram, por exemplo, a possibilidade de uma empresa também ganhar ou comprar terras ­ aquela que está em São Paulo e tem três testas de ferro, cada um com uma terra. Outro ponto importante que inserimos foi o artigo 15. O posseiro que está na terra há vinte anos recebe a terra, tem menos de quatro módulos, comprovadamente; se desmatar, não marcar a reserva legal, perderá a terra.

Foi passado para a sociedade, para os ambientalistas, que era a MP da grilagem. Tentaram mudar muito, em alguns pontos perderam, como no artigo 15, e em outros ganharam, como no artigo 7º, mas o presidente Lula o vetou.

Avançamos com o Ministério do Desenvolvimento Social e com o MDA, com o apoio às cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Apoiar o castanheiro, o seringueiro e o juteiro desde a coleta do produto, da primeira transformação até a comercialização. O preço mínimo para dez produtos extrativistas é um dos pontos.

Como isso é feito?  
Das 56 reservas extrativistas, apenas três tinham plano de manejo. Sem preço mínimo e apoio às cadeias da ecobiodiversidade, muitas vezes o seringueiro e o castanheiro ficam pobres, e acabam cortando madeira para vender para o madeireiro ilegal e deixando o pecuarista pôr boi na sua colocação para ficar com um bezerro de três nascidos vivos. Não se pode condená-lo, porque está na miséria. É preciso dar condições, fazendo plano de manejo, garantindo preço mínimo e apoiando as cadeias da sociobiodiversidade para ele viver com dignidade, mantendo a floresta. A UnB desenvolveu a Tecbor, tecnologia da borracha, um equipamento de R$ 15 mil a R$ 20 mil, que possibilita ao seringueiro fazer a primeira transformação da borracha em uma lâmina fininha para vender diretamente a fábricas de calçados de Belém ou Manaus.

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E como é o manejo florestal?  

Uma área de mil hectares, por exemplo, divide-se em 40 pedaços e a cada ano explora-se um pedaço desses, que tem 2,5%, mas com corte seletivo. Desses 2,5%, usam-se 10%, tiram-se duas madeiras, e no ano seguinte vai-se para o segundo pedaço. E assim sucessivamente, até voltar para o primeiro, cuja cobertura florestal já terá se recuperado. A Finlândia faz isso há mais de cem anos, fabrica e exporta móveis, e tem a mesma cobertura florestal ­ e um IDH elevadíssimo. Fizemos as duas primeiras licitações para produzir madeira legal. Uma das melhores formas de combater a madeira ilegal é aumentar a oferta legal.

Qual é a nossa inserção no mundo face à questão ambiental?  
O Brasil foi pintado, durante muito tempo, como o vilão. É a imagem do "fogo na Amazônia". Isso está sendo revertido. Ainda temos uma matriz energética boa, por causa dos recursos hídricos para geração de energia que não polui. As antigas hidrelétricas inundavam áreas extensas, destruíam a biodiversidade, entravam em terra de índio, quilombola. Para as novas, estamos exigindo no processo de licenciamento um tipo de gerador que usa o fio d'água; portanto, o deslocamento é horizontal, sem aquelas quedas enormes com os lagos monstruosos. Isso já aconteceu nas usinas do Madeira. Pode gerar menos energia, mas é bastante e as áreas inundadas diminuíram entre 60% e 65%. O Brasil está "bem na fita" em matéria de matriz energética agora com o etanol e o biocombustível.

No exterior, se dizia que o etanol brasileiro invadiria áreas de proteção e de produção de alimentos. O MMA participou do zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, medida que garante que não terá novas usinas na Amazônia, no Pantanal em áreas de vegetação nativa e terá zero de queimadas. Com o Plano de Mudanças Climáticas, o Fundo Amazônia e as metas, o Brasil conquistou uma posição de mais respeito no mundo.

As medições atuais indicam o quê? Estamos como o resto do mundo?

Nos países ricos, o grosso das emissões vem de indústrias, transporte e energia; no Brasil, 70% das emissões de CO2 vêm de desmatamento e queimadas. Os dados são antigos, mas são os oficiais que temos. No caso da Amazônia, as medidas que tomamos foram efetivas. Em dez anos saímos de um patamar de 20 mil quilômetros quadrados por ano de desmatamento da Amazônia para 10 mil. E a meta do plano é reduzir 80% até 2020.

O MMA divulgou dados do desmatamento do Cerrado bem alarmantes...
A Amazônia é fundamental, mas necessitamos de uma política forte para o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, a Mata Atlântica e o Pampa. Fizemos acordos com as universidades federais, várias ONGs, o Ibama, o Inpe e estamos monitorando todos os biomas. Na revisão do plano em 2010 estabeleceremos metas para a redução do desmatamento nos outros biomas. O Cerrado, cujos dados divulgamos pela primeira vez, está sendo desmatado a um ritmo duas vezes maior que o da Amazônia. Há quinze anos os dois biomas desmatavam 20 mil quilômetros por ano. Com as políticas aplicadas, esse número caiu na região amazônica, mas no Cerrado se manteve. Lançamos um plano de defesa do Cerrado, de combate ao desmatamento, e partimos para ações de derrubar os fornos ilegais de carvão. O presidente Lula assinou decreto de pagamento por serviços ambientais e também mandamos uma lei para o Parlamento sobre isso.

Antes, o cidadão cortava e vendia para ganhar algum dinheiro. Agora, ele ganha para plantar, para reconstituir. No Rio de Janeiro, por exemplo, o rio Guandu, que leva água a 9 milhões de pessoas, está tendo suas margens desmatadas, tem lixão, areal. Dentro do projeto Parque Fluvial do Rio Guandu cadastramos centenas de famílias de pequenos agricultores e proletários, cada um assinou um compromisso de reflorestar uma área ­ 5 hectares, 10 hectares ­ e demos as mudas. Um ano depois mensuramos o que cada um tinha plantado e pagamos ­ R$ 12 mil, R$ 18 mil. São os produtores de água. É uma forma de gerar renda e ter um serviço ambiental que toda a sociedade aproveite, sem contar a economia no tratamento da água.

E a política para as grandes cidades?  
Mudou muito. Eu sou da área urbana do Rio de Janeiro, deputado pelo PT por vinte anos, fiz 122 leis, metade delas relativas a meio ambiente, saúde do trabalhador. Por conta dessa tradição, estive no Congresso da CUT para selar uma aliança fundamental. Assinamos uma série de portarias que incorporaram a questão da saúde do trabalhador à legislação ambiental, estabelecendo que o EIA/Rima, estudo de impacto ambiental que precede qualquer empreendimento, tenha um capítulo sobre saúde do trabalhador. Isso foi histórico. É interessante que um partido muito progressista e revolucionário, chamado DEM, entrou no Supremo para anular essa medida.

Outra aliança que firmamos foi entre o meio ambiente e a área de ciência e tecnologia. Os cientistas tinham críticas porque as licenças demoravam e os pesquisadores que necessitavam da fauna e da flora para realizar seu trabalho muitas vezes eram tratados como biopiratas. Assinamos acordos, projeto de lei sobre acesso aos recursos genéticos... Quando não se tratar de espécie ameaçada de extinção, o próprio CNPq autorizará e fiscalizará. Mesmo em unidade de conservação, se não for espécie ameaçada, o pesquisador, pela internet, em duas semanas tem a licença em mãos.

Na questão das grandes cidades há um problema mais global...  
A ecologia urbana começa com água, lixo, esgoto e qualidade do ar. Então, sobre água, o Meio Ambiente estava fora do saneamento, que era da alçada do Ministério das Cidades. Se o esgoto sem tratamento é a principal causa da poluição de rios, praias, lagoas e da mortalidade infantil, como é que o Meio Ambiente pode ficar fora da formulação da política de saneamento? O presidente Lula concordou, e o MMA está junto com o Ministério das Cidades. Em breve vamos anunciar um plano decenal de saneamento para dobrar a quantidade de esgoto coletado e tratado.

Em relação ao lixo, estabelecemos a Política Nacional de Resíduos Sólidos, uma lei que está para ser votada na Câmara, e vamos incentivar os consórcios intermunicipais para resíduos e aterros sanitários. Em relação à qualidade do ar, temos aprovadas questões que diminuirão a poluição dos veículos, como uma resolução que reduz para 33% o padrão máximo para a emissão de NOx (óxidos de nitrogênio). Aprovamos outra para o diesel: a partir de 2011, o Brasil terá uma concentração de enxofre no diesel cinco vezes menor. O enxofre é um dos elementos que mais atingem o pulmão nas Regiões Metropolitanas. Vamos aprovar, em nível federal, a vistoria veicular anual obrigatória, realizada hoje apenas por um estado, o Rio de Janeiro, e uma cidade, São Paulo. No Rio existe há dez anos, por lei de minha autoria. E, segundo a UFRJ, a emissão de gases poluentes diminuiu 50%. Sei que dos problemas ambientais o que tem repercussão planetária é a Amazônia, mas os que atingem a maior parte da população brasileira são água, lixo, esgoto e poluição. E o ministério passou a priorizá-los.

Discussões como tamponar os rios, como você encara?  
Temos de incentivar as prefeituras e os governos a dar mais atenção à questão ambiental. No Rio e em outros estados há o ICMS Verde, que na repartição do ICMS dá mais recursos aos municípios que tiverem melhor performance ambiental. A lei abrange três fatores: áreas verdes, lixo e esgoto. É fundamental trabalhar com a consciência, com a educação ambiental, com consumo consciente, mas é preciso ter estímulos econômicos para outras práticas.

E qual será o impacto do pré-sal no meio ambiente?  
Preferiríamos que o Brasil tivesse descoberto energias renováveis, mas descobrimos o pré-sal. Nenhum país que tem pobreza e desigualdades tem condições de dizer "não brinco". Do ponto de vista estritamente ambiental, até que o impacto é menor, porque são as jazidas mais profundas e distantes da costa. Do ponto de vista da emissão do CO2 é pior. O poço Tupi, o primeiro do qual temos as provas, tem de 12% a 15% de CO2 na composição de seu gás. Os poços tradicionais têm, em média, 3%. Há algumas tecnologias para enfrentar isso. Temos a reinjeção do gás no poço, que a Petrobras faz e continuará a fazer, que resolve parte do problema. Outra, mais complicada, é a chamada tecnologia CCS, que quer dizer colocar o carbono debaixo da terra e tamponar. A Petrobras a pesquisa há dez anos, mas não existe ainda um marco regulatório para o CCS.

Nós defendemos que o fundo social do pré-sal passasse a ser Fundo Ambiental e Social (FAS). Uma parte substancial do recurso advindo da exploração do pré-sal, que será ainda definida, será destinada ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, o que significa inclusive estímulo para outras fontes de energia, energias renováveis, como a eólica, em que o Brasil está muito atrasado, com menos de 500 megawatts instalados. Portugal, que é do tamanho do Rio, tem 4 mil megawatts.

Estivemos em Natal, com vinte secretários estaduais de energia, lançando a Carta dos Ventos, doze medidas para alavancar a energia eólica no Brasil.

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O programa Minha Casa, Minha Vida incorporou a energia solar.  
Um dos nossos desafios é colocar a questão ambiental em todos os setores. O Minha Casa, Minha Vida, tem seu lado ambiental. Quem tem casa pelo programa oficial não constrói na beira do rio ou em encostas. Convencemos a ministra Dilma a colocar placa solar para o aquecimento da água das casas do programa. Isso significa, em 1 milhão de casas, 820 mil toneladas a menos de CO2 e também economia da ordem de R$ 350 a R$ 400 por ano para as famílias.

É curioso que, nos embates com a ministra Marina, a ministra Dilma tenha sido tachada de desenvolvimentista inimiga do meio ambiente. Não é isso que tenho visto. Todo governo é heterogêneo, o governo Lula tem vários partidos, vários interesses, inclusive classes sociais diferentes representadas. Basta ver que há um ministério para cuidar da agricultura familiar e outro para o agronegócio. Mas é preciso cuidar das duas áreas.

Em queda de braço importante no governo, contei com a ministra Dilma para fortalecer a área ambiental: no Plano de Mudanças Climáticas, na incorporação do teto solar para a construção das casas e na definição do Fundo Amazônia.

Com relação à medida de zoneamento agroecológico, o ministro Stephanes queria abrir o planalto do Pantanal para a produção de cana. A ministra Dilma, o ministro Franklin Martins e depois o presidente Lula decidiram em nosso favor: o etanol tem de ser 100% verde e não entrar em um hectare de área protegida ou de produção de alimentos. São exemplos de que a ministra Dilma tem comprado bem as guerras ambientais. É claro que ela quer desenvolver o país e eu sou ambientalista, mas também acho que temos de combater a fome, a miséria e a desigualdade.

Recentemente, você disse que o movimento ambientalista não tem tradição de negociação. O que é negociável, em se tratando de meio ambiente?  
Quem é da área sindical sabe como é isso. Quer 50% de aumento de salário e sai com 30%. A vida não é negociável. Por exemplo, código florestal. Nunca houve uma negociação séria dos ambientalistas, do governo ou não, com a agricultura familiar. O agricultor tinha mil dificuldades, tinha de averbar a reserva legal. Nem sabia o que era isso. Alguém explicava para ele que averbação é georreferenciamento. Ferrou. Outro apresentava a ele uma firma que cobrava R$ 4 mil para fazer o georreferenciamento de sua terra de 50 hectares. Chegava um fiscal do Ibama ou do órgão estadual e lhe aplicava uma multa de R$ 5 mil, que ele não tinha como pagar. Em pouco tempo, estava criminalizado. Não conseguia legalizar a frutífera da encosta nem a trilha que fez na área de preservação para ter acesso a um rio ­ na Amazônia, o transporte é fluvial. E a área ambiental dizia: "Não quero, isso eu não discuto".

Eram tantas dificuldades que os grandes - ­ a Katia Abreu (DEM-TO), a CNA, que querem passar "cerol" em 30 mil, 40 mil hectares do Cerrado ou da Caatinga para a agropecuária - ­ aproveitaram a insatisfação do pequeno agricultor para acarreá-lo para suas próprias demandas. Eles iam passar o rodo no Código Florestal, e usando como base quem sempre foi próximo da esquerda. Então, propus uma aliança do meio ambiente com a agricultura familiar para enfrentar a monocultura e o latifúndio dos ruralistas. Depois de três meses de intensa negociação, chegamos a 22 pontos, beneficiando a pequena produção. A senadora pediu a minha cabeça. Eu disse e repito: "O presidente da República é o presidente Lula, e não a Katia Abreu. Aliás, se fosse ela, não teríamos Bolsa Família, mas Bolsa Latifundiário".

Como participará da construção de um programa de continuidade do governo Lula, em relação ao tema meio ambiente, sobretudo se a ex-ministra Marina se candidatar?  

Em relação à ministra Marina, de quem sou companheiro há muitos anos, pois a conheci quando era uma menina, no tempo de Chico Mendes, não estou tendo uma política de hostilizá-la. Até porque grande parte de seus adversários eu também enfrento. É claro que não vou sair do PT ­ mesmo porque o partido está avançando na questão ambiental. Diluí-la independentemente de ideologia é discutível. A CNA também é a favor do desmatamento zero. Mas, quando vou pegar boi pirata na terra dos seus aliados, pedem minha cassação. São a favor do desmatamento zero na terra dos outros.

Não há como desvincular a questão ambiental da social. Nesse sentido, essas alianças que fizemos com a área científica, a agricultura familiar e os trabalhadores mostram que a questão ambiental tem grandes adversários e avança mais quando ganha força e consciência dos nossos grandes aliados. Eu pretendo convocar, antes do fim do ano, com a bancada petista e o partido, uma conferência do PT para a formulação de um programa ambiental, incorporando os avanços do governo federal e dos vários governos estaduais e municipais em que o PT atua.

Emiliano José é deputado federal (PT-BA)

Rose Spina é editora de Teoria e Debate

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