Estante

Políticas públicas realizadas durante a década de 2000 foram exitosasEm seu mais recente livro, Nova Classe Média? O Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira, Marcio Pochmann, economista, professor licenciado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) até o início de junho, posiciona-se de forma enfática no debate atual acerca da existência ou não de uma “nova classe média” no Brasil. Pochmann afirma, já na introdução do livro, que é um disparate dizer que o Brasil é um país de classe média. O autor defende que de fato houve um processo de ascensão social da classe trabalhadora, cujos níveis de renda e potencial de consumo aumentaram a partir de 2004, de acordo com uma série de dados compilados pelo economista. A existência de tal ascensão, porém, não significa que essas pessoas que trabalham, em sua maioria, nos setores de serviços e construção civil possam ser pensadas como indivíduos de classe média. Ao contrário, continuam a fazer parte, como anunciado no título do livro, da base da pirâmide social brasileira.

Assim, é possível dizer que o economista se posiciona junto daqueles que defendem que os segmentos em ascensão são parte das classes trabalhadoras, ou como prefere o sociólogo Jessé Souza, os “batalhadores”, em contraposição à ideia de uma “nova classe média” encampada pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, e pelos cientistas sociais Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, os quais, na visão de Pochmann, estão “engajados à lógica mercantil” e, a partir de “rudimentar tratamento estatístico”, defendem o consumismo e “negam a  estrutura de classe na qual o capitalismo molda a sociedade”. Tais críticas se aproximam daquelas realizadas pelo autor de Os Batalhadores Brasileiros. No entanto, a análise realizada no presente livro difere bastante daquela empreendida por Jessé Souza, cujo enfoque microssociológico recai em aspectos culturais e atitudinais dos indivíduos pesquisados. Ao contrário do sociólogo, o economista busca compreender o impacto das transformações sociais recentes pela ótica do trabalho em uma perspectiva macro-histórica, tendo em vista, principalmente, o período que vai da década de 1970 até o ano de 2009.

Especialista na análise das relações de trabalho no Brasil, o autor demonstra, por meio da exposição de várias séries históricas a respeito do tema, que as políticas públicas realizadas durante a década de 2000, especificamente a partir de 2004, com o intuito de reduzir a pobreza e injetar dinamismo na base da pirâmide social brasileira, como o aumento real do salário mínimo e a criação de novos empregos nesse segmento, foram exitosas. A distribuição dos empregos criados beneficiou principalmente as mulheres, os jovens entre 25 e 34 anos, pessoas não brancas e trabalhadores das Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, que concentraram metade do total dos novos postos de trabalho. Além disso, o crescimento do poder de compra, da formalização do trabalho (dois de cada três trabalhadores possuem carteira assinada) e dos níveis de escolaridade (43% dos trabalhadores possuíam mais de 9 anos de escolaridade em 2009, em comparação com 23% em 1999) entre os trabalhadores que recebem salário-base (até 1,5 salário mínimo), vem acompanhado do aumento de 14,8% da participação do rendimento do trabalho na renda nacional, que apontaria para uma crescente redução da desigualdade de renda.

Tal redução da desigualdade sugeriria, segundo o autor, um aumento da polarização entre os trabalhadores da base da pirâmide social e aqueles que ocupam o topo, os detentores de renda derivada da propriedade. No entanto, ao contrário do que seria esperado em uma conjuntura de aumento da formalização do trabalho e salários melhores, as taxas de sindicalização entre os trabalhadores que recebem salário-base teriam permanecido praticamente estagnadas. De 1999 para 2009 a filiação sindical entre o total de ocupados passou de 12,2% para 13,1% e entre o total de assalariados formais, de 17,1% para 17,3%.

Essa combinação entre avanços sociais e econômicos e inalteração relativa das taxas de sindicalização é abordada em uma caracterização mais pormenorizada do tipo de trabalho desempenhado por aqueles que recebem salário-base. Pochmann reserva um capítulo especial para abordar o trabalho para famílias, mais especificamente o trabalho desempenhado pelas empregadas domésticas, outro para o trabalho nas atividades primárias e autônomas e, nos dois últimos capítulos, discorre sobre o trabalho temporário e o terceirizado. Desse modo, tenta dar conta da diversidade das ocupações que integram a base da pirâmide social brasileira, além de procurar analisar o impacto da terceirização e do trabalho de tipo temporário em relação aos novos empregos que vêm sendo gerados.

O conjunto de dados reunidos, ao mesmo tempo em que aponta para uma transformação econômica e social importante da sociedade brasileira, freia os impulsos excessivamente otimistas ao salientar que a recuperação das classes trabalhadoras não só não vem acompanhada de um crescimento das taxas de sindicalização como também, de um ponto de vista analítico, esses trabalhadores poderiam ser classificados, na literatura internacional, como working poor (trabalhadores pobres), ou seja, muito distantes de uma classe média ascendente. Até porque as ocupações correspondentes à faixa que vai de três a cinco salários mínimos permaneceu praticamente estagnada em relação à década de 1990 e as ocupações de cinco salários mínimos ou mais sofreram uma redução líquida de 3,3%, ou seja, não apenas não estão sendo incorporados novos indivíduos às classes médias como a oferta de empregos na faixa de cinco salários mínimos teve nos anos 2000 seu pior desempenho em comparação com as décadas de 1970, 1980 e 1990.

Ainda que as consequências políticas de tais transformações sociais não sejam o foco de seu trabalho, o autor, tanto em seu livro como em uma entrevista recente à revista CartaCapital, faz menção a uma suposta despolitização desses trabalhadores em ascensão, os quais seriam individualistas e consumistas. Tal afirmação é um tanto precipitada, uma vez que ainda não existem comprovações empíricas suficientes para sustentá-la. Dessa maneira, a principal contribuição de Marcio Pochmann neste momento é propor a alteração dos termos do debate. Assim, aqueles que estiverem interessados em refletir sobre os rumos da sociedade e da política brasileiras devem ter em mente a melhora das condições de vida de trabalhadores pobres, fruto do êxito de políticas públicas do governo federal, e esquecer, definitivamente, a ideia do surgimento de uma “nova classe média”.

Camila Rocha é mestranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo