EM DEBATE

No dia 11 de dezembro, eleitores paraenses decidem se são a favor ou contra a divisão do estado

A secessão papachibé

Emancipação para oficializar uma divisão de fato

A secessão papachibé

O debate em torno da divisão do estado do Pará em mais duas unidades federativas, Carajás e Tapajós, vem mobilizando paixões nem sempre confessáveis e vitimando a consciência que ainda resiste e se organiza em torno da ideia da transformação social.

A despolitização é flagrante. O debate passa ao largo da reflexão sobre projetos de sociedade, arregimentando prós e contras em qualquer partido ou instituição política, e os ânimos populares são acirrados por argumentos cujos apelos e imagens têm mais a ver com a animação de torcidas organizadas. E nos parece que, no fundo, é exatamente isso. Mas quem são os “times” que de fato jogam? E que jogo é esse?

Entrando no mérito. No próximo dia 11 de dezembro, caso a maioria do eleitorado vote pela divisão, o Pará, hoje com área de 1.247.689 quilômetros quadrados, ficará com 17% desse território; Carajás, ao sul do estado, com 25%; e Tapajós, a oeste, com 58%.

A propaganda sobre o plebiscito, no horário do TRE, ajuda a entender quem, de fato, está no jogo e toca a bola.

O lado do sim tem como nome mais reconhecido nacionalmente o deputado federal Giovani Queiroz (PDT-PA), homem do agrobusiness e; o lado do não, o deputado federal Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), político desde a juventude.

Os argumentos mais fortes pela separação incidem sobre duas ideias: as principais fontes econômicas do estado estão nas regiões de Carajás e de Tapajós, que não recebem investimentos públicos proporcionais; e, devido à sede do governo ser em Belém, os recursos públicos estaduais se concentram na capital.

Do lado do não, o principal argumento é a exploração do sentimento de perda: “Não faz sentido que 64% da população paraense fique concentrada em 17% do território”, defende Coutinho.

Em paralelo, ocorre um debate tecnicamente estéril e politicamente frio em torno das vantagens tributárias e representativas para a região. Em tese, o Pará continuaria com a maior parte da arrecadação, cerca de 66% do ICMS, e ainda se livraria das despesas com cerca de 5 mil servidores, hospitais e escolas. Além disso, deixaria de dividir as receitas com os municípios que integrariam os novos estados, mas há controvérsias.

O certo é que a União teria de arcar com a diferença, perfazendo uma despesa superior a R$ 1 bilhão por ano para cada novo estado por, pelo menos, dez anos, segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Boeiri.

Sobre o aumento de representatividade, com maior número de governadores e de senadores a região se fortaleceria no cenário federal. Mas também há controvérsias, já que o Norte teria o mesmo número de estados do Nordeste, que não consegue se unir para ter o mesmo desempenho político.

Também em paralelo dizem, a favor do não, que “os projetos separatistas interessam somente aos políticos, de qualquer partido. Na verdade, é a criação de novas estruturas de poder que está em jogo. São centenas de cargos, mandatos federais e estaduais, mais vagas e mais recursos”.

Em artigo publicado recentemente na imprensa de Santarém, o economista Aluízio Leal, baseado em experiências passadas de redivisão territorial, como a criação do estado do Amapá, do Tocantins e de Mato Grosso do Sul, afirmou que o surgimento de novos estados não tem sido solução para os problemas do povo. Segundo Leal, assim será com agora, devendo piorar a situação de miséria e exploração em que vivem os trabalhadores, uma vez que o movimento emancipacionista vem sendo conduzido pela elite conservadora local e por políticos ligados aos grandes grupos econômicos da região. “Quem vai mandar nos novos estados são os donos do agronegócio e da mineração”, profetiza.

Mas o que ainda não foi dito?

Não foi dito que o tamanho de um estado pode apenas compor uma estratégia institucional para um desenvolvimento com justiça social, e não ser o único vetor responsável. Se estado pequeno significasse desenvolvimento, Sergipe, Alagoas, Espírito Santo e outros menores que vários municípios do Pará deveriam ser destaques nacionais. Por outro lado, se estado territorialmente grande fosse a solução, por si, o Amazonas seria uma potência. Ou seja, sem que a institucionalidade política, o que inclui os municípios (até aqui fora do debate), esteja imbricada a estratégias econômicas, ambientais e sociais adequadas, pressupor a decorrência mágica da melhoria da qualidade de vida da maioria é pura manipulação.

Não foi dito, aliás, que o processo todo passa ao largo de qualquer esforço em fazê-lo educativo e politizador, como seria de esperar dos setores democrático-populares. Como até aqui não há nenhuma iniciativa que o valha, surge a lembrança do processo que levou à instauração da república no Brasil, descrito assim, com raro humor político, pelo cronista carioca Aristides Saldanha: “A população assistiu bestificada à Proclamação da República”. No caso presente, não só porque a maioria ainda nem sabe o que realmente ocorre, como nos idos de 1888, mas principalmente porque além disso é feita de...

Por falar nisso, não foi dito ainda que exatamente essa capacidade de “formar opinião”, com a divisão, o conluio entre elites políticas conservadoras locais e investidores de “curto prazo”, torna-se ainda mais poderosa por passar a concentrar seus capitais em região e população menores.

E também não foi dito ainda que, além desses grupos político-econômicos concentrarem seus esforços em um território menor, trata-se de regiões de maior fragilidade social e de garantia de direitos – basta ver os indicadores de educação e saúde e a ocorrência de trabalho escravo e assassinato de lideranças sociais, recentemente.

Pelo perfil do processo político-econômico que estamos passando no Pará, vemos uma curiosa proximidade com o episódio da secessão americana.

A Guerra de Secessão consistiu na luta entre 11 estados do Sul, dominados por uma aristocracia latifundiária, defensora da escravidão, contra os estados do Norte, capitalizados e industrializados, onde a escravidão havia se modernizado como emprego. Além disso, enquanto o desenvolvimento do Norte estava ligado à necessidade de crescimento do mercado interno, o sulista era baseado no oposto, nas agroexportações.

Portanto – quer pelo nítido protagonismo, no processo, de oligarquias politicamente conservadoras mas modernas economicamente, segundo o interesse internacional; quer pelo risco de se aprofundar uma dominação sociopolítica, maximizando o poder político dos grandes grupos econômicos; quer pela absoluta falta de elaboração estratégica pela transformação social por que passam as esquerdas na Amazônia, que nesse momento não conseguem nem entabular a ideia do controle social como elemento constitutivo de um novo estado –, defendemos conjunturalmente a manutenção da institucionalidade política posta. Somos contra a divisão do Pará.

João Claudio Arroyo é educador popular, mestre em Economia

Emancipação para oficializar uma divisão de fato

Ao pensar como culturas expansivas desbravam os espaços, resultando em novas construções territoriais, recordo frase de Lia Osório Machado1 que inspira este texto: “As delimitações administrativas são decisões dos estados, mas as fronteiras são obras dos povos”.

A reflexão sobre a divisão territorial do Pará vem da condição privilegiada de ter passado o início de minha adolescência em Marabá (PA), antes da Transamazônica, quando vi as transformações ocorridas no sul e sudeste do Pará (que hoje pleiteia se tornar estado do Carajás) em seu doloroso processo de integração à economia nacional; ter vivido em Goiânia (GO), em meados da década de 1970, quando trabalhadores goianos (muitos desgarrados das atividades camponesas) lotavam os ônibus para os garimpos de Redenção (PA) e as primeiras fazendas no sul do Pará; ter morado em Belém durante a maior parte da vida adulta e assistido à expansão urbana na periferia, ocupada também por trabalhadores egressos de Carajás, Tucuruí e Serra Pelada.

Nascida em Santarém, morei ainda no Maranhão quando o estado exportava trabalhadores para a Amazônia, deixando uma sociedade empobrecida pelos latifúndios. Em Brasília, pude presenciar a arrogância da tecnocracia com as regiões periféricas e, no retorno ao oeste do Pará, deparei com a veemência da luta pela autonomia.

Vi de perto as áreas de colonização nas Rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá, que cortam o centro-sul do estado do Pará, por cerca de mil quilômetros no sentido leste-oeste e quase a mesma extensão no sentido sul-norte, respectivamente.

Foram mais de 50 anos de transformações profundas no vasto território paraense, de 1.247.689,515 quilômetros quadrados, que se converteu, no final do século passado, num espaço de oportunidades para o crescimento econômico das regiões mais ricas do país e de economias globais.

Julgar as razões da emancipação exige uma reflexão que uma campanha não supre. Quais projetos estão presentes e podem emergir nesse conflito velado há tanto tempo e revelado pelo plebiscito marcado para 11 de dezembro? São legítimos os pleitos de Carajás e Tapajós em defender sua emancipação, assim como a paixão da região da capital, que se vê afrontada pelo fato de que mais de 70% de seu território é habitado por paraenses que não se veem representados por sua capital.

O Pará se defronta com um dos momentos mais dramáticos e inevitáveis de sua história e da história econômica, social e cultural do Brasil. Além dos paraenses originários, serão os brasileiros de todo o país, acolhidos e com direito de voto no Pará, que indicarão seu destino.

A relação do Pará com o Brasil

Os primeiros paraenses foram os indígenas2, africanos e seus descendentes, portugueses, judeus, árabes e migrantes nordestinos atraídos pelas economias extrativas. Antes das estradas, os paraenses viviam nas cidades e no interior do estado, com acesso exclusivamente por vias fluviais. Descendiam de relações econômicas e sociais herdadas dos séculos 18 e 19, quando a miscigenação foi acrescida pela presença nordestina, na economia da borracha. Belém e Manaus foram as capitais para onde afluíam as relações mercantis e os serviços de educação e trabalho especializados.

O Pará atual resulta do projeto desenvolvimentista planejado à revelia e pactuado com as elites políticas da capital, ignorando a população originária e a do interior e, mais tarde, também os migrantes atraídos pelas oportunidades difundidas pela propaganda estatal. A integração nacional proporcionou melhoras para os setores das classes ricas e médias urbanas. Mas a maioria, inclusive da que chegava, ficou à margem da prosperidade.

Dos estados brasileiros, foi um dos que mais sofreram o impacto de ocupações espontâneas e de colonizações estatais e privadas resultantes da concentração agrária da parte industrializada e do nordeste do país. Nos anos 1970 e 1980, tornou-se fornecedor de energia e matérias-primas minerais e florestais e espaço de acomodação da pecuária de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Dessa forma, contribuiu para o crescimento do PIB nacional com base em uma ocupação predatória dos seus recursos naturais; assassinatos de trabalhadores, religiosos e políticos progressistas; invasão e desestruturação de povos e terras indígenas – fatores que o tornaram síntese dos conflitos da sociedade nacional.

Como todos os estados da Amazônia, o Pará teve seus espaços reconfigurados e re-significados culturalmente no final do século passado, num contexto de disputas por recursos naturais e territórios habitados tradicionalmente por populações oriundas de ocupações antigas.

A maioria dos migrantes, mesmo os estabelecidos há 60 anos, pode se sentir territorialmente paraense, mas não integrada a um único estado. Permanece dividida entre o estado de origem e um futuro instável no que a abrigou. Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro são as principais capitais para onde escoam os lucros gerados com a pecuária, a madeira, a agricultura e a mineração do sul e sudeste do Pará, mas também a poupança das classes menos capitalizadas. Teresina, Goiânia e São Luís são procuradas para assistência médica.

A partir de 2000, a integração entre o Pará e o país foi fortalecida, com o asfaltamento da Transamazônica e da Santarém-Cuiabá, as eclusas de Tucuruí, a criação da Aços Laminados do Pará (Alpa)3, a multiplicação de Institutos Federais de Educação, a criação das universidade federais de Santarém e de Marabá e as instituições federais antes subordinadas a Belém – Incra, Ibama, ICMBio, entre outras.

As redes de relações econômicas e de cidades estabelecidas e, agora, as conectividades viárias e o fortalecimento das instituições não consolidaram os laços com Belém, mas sim com os centros dinâmicos que historicamente presidiram as relações entre essas regiões e as capitais “naturais” que elegeram. Marabá e Santarém estão cerca de 800 quilômetros mais próximas do Centro-Sul que a capital paraense.

O caso do Tapajós

O interesse pela emancipação do hoje pretendido estado do Tapajós remonta ao século 19, em um contexto de desintegração do governo colonial e do Grão-Pará e Maranhão4. Situada no centro da Amazônia e com acesso mais difícil, essa região preservou ambientes naturais, populações originárias e economias de base mercantil, mesmo com a presença ascendente de enclaves mineradores5.

As relações econômicas, os vínculos de trabalho, familiares e culturais se consolidaram muito mais com Manaus do que com Belém. A Zona Franca de Manaus (ZFM) se constituiu na principal empregadora da força de trabalho (primeiro não qualificada e, atualmente, também especializada) do Baixo Amazonas e Tapajós. A capital amazonense é a maior catalisadora da dinâmica socioeconômica dos rios na fronteira entre os dois estados.

Embora subjacente ao modelo de desenvolvimento, a investida da economia madeireira e do agronegócio se manifestou mais agressivamente nas décadas de 1990-2000. Mas o ordenamento territorial realizado nos governos Lula, com grande empenho da ex-ministra Marina Silva, permitiu a contenção da especulação das florestas públicas e criou canais institucionais para o debate do asfaltamento da BR-1636.

Nessa região estão presentes as maiores Terras Indígenas (TIs) e o maior número de Unidades de Conservação (UCs) federais. Mesmo sob pressão, como acontece em todas as áreas preservadas do país, o ambiente institucional do presente7 contribui para manter o que foi conservado historicamente pela sociedade local. O novo estado será favorecido por um ambiente de governança superior ao de dez anos atrás. Os conflitos e as ameaças de degradação ambiental são problemas de gestão, que seguirão compartilhados com o governo federal.

Embora situada no centro da Amazônia, a região apresenta conectividades com o Centro-Sul pela BR-163, com a Amazônia Ocidental, os países fronteiriços do Pacífico, pela Rodovia Transamazônica, e os portos da Europa e do leste dos EUA, pelo Porto de Santarém. Também é estratégica nas relações comerciais com Belém, Altamira, Marabá, Macapá, Porto Velho e Manaus.

Três formas de ser paraense

Faz parte do ethos da sociedade dominante na região de Carajás considerar o Pará antigo, distante do ritmo de progresso e de consumo já alcançado nos estados de origem. Esse ethos é retroalimentado por laços de família que subsistiram.

Mas dessa sociedade também fazem parte povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas, populações urbanas, camponeses e intelectuais ativos na disputa de projeto de desenvolvimento. Nessa região houve a maior reconquista da terra ocupada por grandes fazendas, a partir da luta camponesa, com o maior número de projetos de assentamento de reforma agrária do país.

No ethos da sociedade que pleiteia o estado do Tapajós é forte a ideia de uma identidade local e regional arraigada historicamente, com fortes laços internos em sua formação social, sua economia e sua organização social. A visão de desenvolvimento na sociedade mais antiga passa, em grande medida, pelo conhecimento, pelo progresso cultural e por uma economia em bases diversificadas.

Mais recentemente, ganhou força entre os setores políticos conservadores a visão redentorista do agronegócio. Mas também emerge a visão de desenvolvimento sustentável como cenário futuro, justamente pelo fato de a região deter mais de 80% de sua cobertura florestal preservada e uma das maiores diversidades étnicas e sociais da Amazônia. Essa característica determinou ali uma forma menos passiva da sociedade civil diante do avanço da produção de grãos, que foi contida.

No norte do estado, hegemonizado pela capital, destaca-se a visão autocentrada da condição de metrópole comercial, intelectual, cultural e política. Dessa posição, Belém não se deu conta de que o projeto nacional que interveio no interior de seu território criou forças econômicas, sociais, culturais, políticas e intelectuais com voz própria.

Com a emergência de novos atores, a elite do norte do estado recompôs suas alianças de poder com as lideranças políticas do sul e do oeste (essas mais antigas). Isso, porém, não impediu a fratura política entre as próprias elites sobre a autonomia dos territórios. O desejo de emancipação está acima de pactos conjunturais de poder, foge ao domínio das elites, das esquerdas e dos grupos conservadores. Os partidos de esquerda e os conservadores da capital, no governo, trabalham para neutralizar a divisão territorial.

O Pará cruzou o século 20 aprofundando uma divisão territorial de fato, gestada pelo projeto nacional e por relações de dominação estabelecidas com as regiões tradicionalmente habitadas. A capital não conseguiu, em mais de cem anos, neutralizar nem a vontade emancipacionista do Tapajós, nem a inevitável vontade de autonomia das forças migratórias mais recentes.

Questões de debate na campanha

Este texto não entra na guerra dos números, pois se considera de antemão que os três estados são viáveis e têm condições e vantagens comparativas superiores em relação a outras situações de emancipação já ocorridas no Brasil. Os custos da implementação dos novos estados devem ser considerados como repartição de benefícios federativos, tendo em vista a contribuição do Pará para o crescimento de outros estados, inclusive por força da Lei Kandir.

O discurso antiemancipacionista não apresenta nenhuma utopia ou promessa capaz de mobilizar os anseios dos seus 7,5 milhões de habitantes. Não se visualizam uma alteração no grave quadro socioeconômico nem a partilha mais justa de benefícios entre a metrópole e as regiões que desejam emancipar-se.

Existem defensores da divisão em todos os partidos. Não existem blocos ideológico-programáticos em torno do sim ou do não. Assim como o equilíbrio na composição de forças entre visões progressistas, oligárquicas e neoliberais está presente nos três territórios, em conflitos e acomodações iguais aos que acontecem em todos os estados brasileiros.

A população do Tapajós e do Carajás teme que, sem a emancipação, os investimentos permaneçam favorecendo a região hegemonizada pela atual capital, detentora do maior número de eleitores, com poder de voto e de veto na partilha das políticas públicas e do orçamento comum do estado8.

Previsões sobre o risco de criar estados pobres não se sustentam, assim como as avaliações que reduzem o potencial econômico de um futuro estado do Carajás aos estoques minerais. Pesca, aquicultura, pecuária9, agricultura, cultivo da castanha do Brasil, produção de energia hidrelétrica e reflorestamento estão entre as atividades para um desenvolvimento inteligente e duradouro no novo estado.

No caso do Tapajós, por ser composto de cerca de 80% de florestas, alguns dizem que teria sua economia engessada e outros afirmam que as florestas seriam destruídas. Como em todo lugar, essas forças estarão concorrendo, mas há que valorizar o esforço das populações locais, que conservou esses ativos diante da pressão externa.

A riqueza florestal representa uma oportunidade. No Acre, há quase vinte anos de projeto econômico com floresta em pé, emergem indústrias em parcerias público-privadas e comunitárias promissoras e inclusivas. Florestas e biodiversidade são um capital valorizado pelo emergente mercado de carbono e futuras economias verdes, assim como valor nos modos de vida das populações tradicionais e indígenas. Uma base industrial focada na biotecnologia no centro da Amazônia é perfeitamente compatível com a modernização de sua produção agropecuária, que está preparada para elevar a produtividade em bases sustentáveis.

A incorporação produtiva das imensas áreas de várzea da calha do Rio Amazonas à produção de alimentos é um trunfo econômico para o novo estado. Assim como os recursos aquáticos diversificados, com práticas de manejo reconhecidas.

O estado do Tapajós pode nascer com um diferencial muito positivo para o Brasil. Vir a ser o grande laboratório nacional do desenvolvimento sustentável, com a ampliação dos centros de pesquisa, de produção de conhecimento e informação, um polo industrial de biotecnologias, assim como um polo turístico amazônico de fácil acesso. Não faltam utopias, e esse é um grande passo para que os novos estados nasçam antenados com as oportunidades próprias do nosso tempo. Uma marca invejável para territórios emergentes no século 21.

Conclusões

Não existe um só Pará há, pelo menos, sessenta anos. Os paraenses se aceitam e se negam em suas ambições territoriais. Uma nova delimitação administrativa para essas territorialidades poderia consolidar projetos regionais mais adequados às expectativas de seus habitantes.

No dia 11 de dezembro de 2011 teremos a primeira consulta democrática sobre a divisão territorial de um estado brasileiro. Independentemente do resultado, o plebiscito possibilitou a visibilidade e a oficialização do desejo de emancipação e aprofunda esse sentimento. A continuidade dessa relação por meio de uma união forçada poderá se complicar. A divisão territorial do Pará parece irreversível ao longo do tempo.

Raimunda Monteiro é graduada em Comunicação, mestre em Planejamento de Desenvolvimento e doutora em Ciências Socioambientais do Trópico Úmido, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)

Notas:

1 Doutora em Geografia pela Universidade de Barcelona (1989), professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Coordena o Grupo Retis na UFRJ, com pesquisas nos temas Amazônia Sul-Americana e Limites e Fronteiras na América do Sul (Fonte: CNPQ).

2. Os indígenas ainda ocupam 21% do território paraense.

3. A Alpa é vinculada à Vale, com investimentos de R$ 5,8 bilhões, previsão de 16 mil empregos na implantação e, posteriormente, 5.300 empregos diretos e outros 16 mil indiretos.

4. Sobre esse histórico, ver Manuel Dutra, “Regionalismo e discurso separatista no Pará: o movimento pela criação do estado do Tapajós”, tese de mestrado, 1997.

5. Como a Província Aurífera do Tapajós e a mineração de bauxita em Oriximiná e, mais recentemente, em Juruti.

6. O Plano BR-163 Sustentável e o Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) servem para orientar o uso da terra e os novos planos de ocupação territorial.

7. Conforme a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). O ZEE já delimitou em lei as áreas que podem ser utilizadas para fins agropecuários e, de acordo com a Lei nº 11.284/2006, que regula o acesso às florestas públicas, o uso das florestas é feito sob controle social.

8. O atual governo apresentou à Assembleia Legislativa do Pará o Plano Plurianual 2012-2015, que destina R$ 18,7 bilhões aos cinco municípios da Região Metropolitana de Belém e apenas R$ 16,3 bilhões aos 139 municípios do estado, que representam 70% de seu território. Entre estes, estão os que contribuem decisivamente para o PIB do estado.

9.São Félix do Xingu é, atualmente, o maior produtor de gado bovino do país

 

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