EM DEBATE

A democratização dos meios de comunicação, por bem ou por mal, está em vários episódios recentes: anúncio pelo Ministério de que uma proposta de marco regulatório das comunicações só poderá ser discutida quando estiver “madura” e admitindo não ser esta uma prioridade do governo; a ausência do tema na Mensagem ao Congresso enviada pela presidenta Dilma; um projeto de lei de iniciativa popular; e resolução do Diretório Nacional do PT que conclama "o governo a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país"

Quem tem medo de uma nova lei democrática para as comunicações?

Quem sabe faz a hora

Comunicação: um direito de todos e todas!

Quem tem medo de uma nova lei democrática para as comunicações?

Quem tem medo de uma nova lei democrática para as comunicações?

As comunicações brasileiras são marcadas pela alta concentração dos veículos em poucos grupos, pela presença de políticos no controle rádios, TVs e jornais, pela produção verticalizada a partir do eixo Rio-São Paulo, pelos caros e excludentes serviços de acesso à internet, telefonia celular e TV por assinatura e pela subordinação dos órgãos e autoridades aos interesses do empresariado do setor.

Esta última característica tem inúmeros exemplos na história do país. O mais recente é o enterro, na gestão de Dilma Rousseff, da proposta de nova lei para o setor que começou a ser elaborada no último ano do governo Lula pela equipe comandada pelo então ministro Franklin Martins. O “anúncio” foi feito pelo secretário executivo do Ministério das Comunicações, Cézar Alvarez, em um seminário da revista TeleTime em fevereiro deste ano, em Brasília.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) reagiu em nota pública assinada por mais de cem entidades. “A opção do governo significa, na prática, o alinhamento aos setores mais conservadores e o apoio à manutenção do status quo da comunicação, nada plural, nada diverso e nada democrático. Enquanto países com marcos regulatórios consistentes discutem como atualizá-los frente ao cenário da convergência e países latino-americanos estabelecem novas leis para o setor, o Brasil opta por ficar com a sua, de 1962, ultrapassada e em total desrespeito à Constituição, para proteger os interesses comerciais das grandes empresas”, declara o texto (Nota pública: governo federal rompe compromisso com a sociedade no tema da comunicação). E apontou para mobilizações em todo o país em torno de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para pressionar o governo federal e o Congresso Nacional.

O PT seguiu o movimento e aprovou uma resolução que conclama “o governo a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país”. O texto também defende a proposta de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular a ser elaborado pelo FNDC (Democratização da mídia é urgente e inadiável).

O apelo do partido do governo mostra a gravidade dos obstáculos enraizados na Esplanada dos Ministérios. Estagnado por eles, o Brasil vai na contramão de um movimento mundial que atinge países cujos governos possuem as mais variadas linhas políticas. Tudo pelo medo de tocar nos privilégios das empresas de comunicação. Enquanto isso, a diversidade das culturas dos mais variados cantos do nosso território e a pluralidade de visões de setores que não são representados nos conglomerados de mídia continuam apartadas do principal instrumento de debate público e formação de valores das sociedades contemporâneas.

O governo federal se ancora em uma retórica pública frágil para escamotear a questão de fato. Sustenta o raciocínio de que o debate central é a criação ou não de um marco regulatório, que substituiria a “escolha livre do cidadão por meio do controle remoto”, figura metafórica tantas vezes utilizada pela presidenta Dilma Rousseff. O marco regulatório já existe na Constituição e nas leis que regem o setor, inclusive com normas que disciplinam o conteúdo veiculado. Outro argumento é que o debate é “complexo”, “polêmico”, quase impossível. No entanto, esse marco foi recentemente atualizado parcialmente com a aprovação da nova Lei da TV Paga em 2011, inclusive com a participação decisiva do Palácio do Planalto.

A questão não é se o marco regulatório deve ou não existir, e sim “qual regulação se quer e a quem vai beneficiar”. E aí o medo de contrariar os interesses dos conglomerados de mídia priva o país de uma agenda urgente e necessária para, ao mesmo tempo, dar conta do desafio de democratizar a mídia e atualizar o setor à luz da convergência entre TV, rádio, telefonia e internet.

Enquanto o governo reluta em encarar essa tarefa, continua alimentando um setor que disputa cotidianamente a agenda pública contra a melhoria das condições de vida da população, o fortalecimento do Estado e a ampliação dos direitos políticos, sociais, econômicos e ambientais. País rico não é apenas um país sem miséria, mas também uma nação com democracia plena, inclusive nos meios de comunicação.

Jonas Valente é jornalista, pesquisador de Políticas de Comunicação e autor de livros sobre o tema. É secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e integrante do Intervozes, entidade que representou na Comissão Organizadora Nacional da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Coordenou o programa de governo para a área de Comunicação da candidatura Lula em 2006. É pesquisador associado do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília

Quem sabe faz a hora

Quem sabe faz a hora

É possível estacionar, em qualquer tema controverso que seja de interesse da sociedade civil, à espera de um período mais tranquilo, em que governo e Parlamento ajam de forma a avançar? E o que significa “um período mais tranquilo”?

No caso da discussão em torno da mídia, o cenário se movimentou em 2009, com a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada por iniciativa do presidente Lula. Apesar da dificuldade das regras estabelecidas (como a aprovação das questões chamadas “sensíveis” com um mínimo de 60% dos votos e ao menos um de cada segmento envolvido – sociedade civil empresarial, sociedade civil não empresarial e governo), foi ali construída e aprovada a proposta de um novo marco regulatório.

Teria sido o suficiente para sua incorporação em um plano de políticas sobre o tema, como nas demais conferências. Mas o então ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação do governo federal, fez dela um sumário para expor à consulta pública. Por seu lado, a sociedade civil reunida fez uma síntese de vinte pontos de suas propostas prioritárias.

O ministro das Comunicações Paulo Bernardo, que assumiu em 2011, firmou o mesmo compromisso e disse que apenas precisaria tomar pé do debate. Um ano depois, chegou a dar uma data para que o MiniCom colocasse em consulta pública o tema, sem que nada acontecesse.

O Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), cumprindo as definições de sua plenária, lançou no dia 26 de agosto de 2012 a campanha “Para expressar a liberdade, uma nova lei para um novo tempo”, com o objetivo de reunir as mais variadas organizações da sociedade civil para impulsionar a mobilização em torno da urgência de o país fazer a discussão de uma nova lei para esse setor.

Em fevereiro de 2013, o secretário executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez, declarou não acreditar na viabilidade de se iniciar a discussão de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil antes das eleições de 2014 – o que repercutiu muito mal entre os que lutam pela democratização e pelo direito à comunicação no país.

Segundo o texto do FNDC, o que fica claro é o fato de a opção do governo significar, na prática, o alinhamento aos setores mais conservadores e o apoio à manutenção do status quo da comunicação – nada plural, nada diverso e nada democrático –, mantendo assim o marco regulatório de 1962, ultrapassado e em total desrespeito à Constituição, para proteger os interesses comerciais das grandes empresas.

O FNDC, entendendo ser absolutamente irreversível para o processo democrático o avanço em direção à equidade de direitos em relação ao uso da comunicação e das tecnologias audiovisuais, propõe-se a elaborar um Projeto de Lei de Interesse Público com base nos vinte pontos estratégicos definidos a partir das conclusões da Confecom.

Outros atores sociais se posicionam

Em março, o Diretório Nacional do PT aprova uma resolução em que conclama o governo “a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país".

O Psol divulga nota pública de seu setorial de comunicação e cultura em que critica o governo e apoia a campanha coordenada pelo FNDC. Alguns deputados federais, como Luiza Erundina (PSB-SP), Jorge Bittar (PT-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP) também se manifestam.

O avanço... do retrocesso

A Inglaterra acaba de aprovar o novo marco regulatório, e o processo também avança na América Latina.

O Equador se posiciona com relação ao tema e o México apresenta a seu Congresso um conjunto de reformas constitucionais em matéria de radiodifusão e telecomunicações, como criação de um instituto federal de telecomunicações com autonomia constitucional, garantia de acesso às tecnologias de informação e comunicação, obrigatoriedade de formular políticas públicas para a inclusão digital universal, instrução de criar novas cadeias de televisão nacional, além de condicionar a convergência de serviços a um entorno competitivo.

Enquanto isso, no Brasil, as empresas vão ocupando o espaço da sociedade civil, como quando o presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS), dom Orani Tempesta, assume também a presidência da Rede Vida de Televisão, permanecendo na vaga da sociedade civil no CCS. Com a maior fragilização da representação da sociedade civil, tende-se a bloquear ainda mais o debate público sobre o papel dos meios na sociedade brasileira.

A laicidade do Estado é desrespeitada, sem maiores discussões, como quando a Câmara de Vereadores de Fortaleza sanciona em 27 de fevereiro a proposta de seu presidente, Walter Cavalcante (PMDB), de exibição de missas e cultos, aos domingos, na TV e na Rádio Fortaleza, órgãos de comunicação da Casa.

Questões polêmicas de interesse social, como a aprovação da descriminalização da interrupção da gravidez até doze semanas, respeitando a vontade da mãe, no I Encontro Nacional de Conselhos de Medicina de 2013, realizado em Belém, continuam divulgadas apenas em blogs e mídia alternativa.

A Frente Parlamentar Evangélica se organiza para tomar a direção de todas as comissões em que se possa barrar temas sensíveis à igreja, como a reivindicação dos gays por direitos iguais aos dos outros grupos da sociedade, a flexibilização das normas sobre aborto e a discussão de uma nova política sobre drogas.

Os militantes das rádios comunitárias continuam ameaçados de prisão. A causa dos irmãos Boccini (Falha de São Paulo) tem um julgamento insatisfatório para a verdadeira liberdade de expressão.

A derrubada da Indicação Classificativa pelo STJ, tida pelos “donos” dos grandes meios como ingerência na autoridade paterna e como restritiva à liberdade de expressão, que já recebeu quatro votos favoráveis à sua eliminação, foi contida apenas por um pedido de vistas, que postergou a decisão.

O Brasil hospeda mais um encontro para debater “os riscos da censura”, com a presença de especialistas, entre os quais nomes da Universidade Columbia. No painel Liberdade de Expressão Global, estão anunciados, além do reitor de Columbia, Lee C. Bollinger (pesquisador especialista na Primeira Emenda americana), o reitor da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo de Columbia, Nicholas Lemann, e o diretor do Columbia Global Center no Rio de Janeiro, Thomas Trebat. Ao lado deles estarão o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto; o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour; o diretor de redação do jornal O Globo, Ascânio Seleme; e a presidenta executiva do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco. A mediação será da jornalista Mônica Waldvogel. Já sabemos o que esperar das conclusões do encontro...

O período mais tranquilo

Quando será um período mais tranquilo aguardado pelo governo para pôr em discussão a efetiva democratização da mídia e o novo marco regulatório? Longe das eleições, para evitar o previsível bombardeio dos grandes meios de comunicação? Mas como se distanciar das eleições se as temos ano sim, ano não e se, de 2009 até hoje, governo e Parlamento não encontraram a brecha adequada para o avanço?

Finalmente, não minimizando a importância dos meios de comunicação no processo eleitoral, algumas perguntas que não querem calar:

- Afinal, como ganhamos eleições importantes apesar de todo o esforço da grande mídia no sentido oposto?

- Qual o peso relativo do apoio dos movimentos sociais organizados se atendidos, ao invés de desconsiderados em suas reivindicações?

- Quanto não ganharíamos com a abertura de espaços da mídia comunitária, da distribuição mais equitativa e justa dos recursos governamentais aos diversos meios de comunicação, contemplando também os de qualidade como o site Carta Maior, revistas como Carta Capital, Fórum e tantas outras?

Neste momento, juntam-se os diversos movimentos sociais representados pelo FNDC, somando-se ao apoio anunciado dos partidos que assim se manifestaram, na tentativa de buscar o número de assinaturas suficientes (nada menos que 1,8 milhão), para apresentar a proposta do Novo Marco Regulatório como Projeto de Lei de Interesse Público.

Sem os recursos milionários que o governo carreia para a grande mídia, o que teremos é uma luta de Davi contra Golias, à qual governo e Parlamento assistem impassíveis.

Referências

Jornal Brasil de Fato - Laryssa Praciano

Conselho Nacional de Psicologia e FNDC - Roseli Goffman

Barão de Itararé e FNDC - Renata Mielli

Rachel Moreno é psicóloga e pesquisadora

Comunicação: um direito de todos e todas!

Comunicação: um direito de todos e todas!

Todos nós, brasileiros e brasileiras, temos o direito à voz e ao acesso à informação. É o que garante a Constituição Federal sobre a livre manifestação do pensamento, da criação e da liberdade de expressão. É um direito de todos! Diante isso, propomos uma reflexão: o índio, o negro, as mulheres, os gays, o povo do campo, têm espaços de representação na comunicação brasileira? As crianças são protegidas da lógica capitalista de consumo? Os cidadãos das diversas regiões brasileiras, com suas diferentes culturas, etnias e características, se sentem representados? A liberdade de expressão não deveria ser para todos, e não apenas de grupos que representam os interesses econômicos e sociais de uma elite dominante?

No Brasil, temos um sistemático silenciar das vozes. O direito à liberdade de expressão enfrenta dificuldades políticas, econômicas, ideológicas e culturais para ser efetivado. Ainda que na Constituição conste a proibição do oligopólio e do monopólio dos meios de comunicação, menos de dez famílias concentram o poder de empresas de jornais, revistas, rádios, TVs e sites de notícias no país. E essa concentração impede a circulação de ideias e pontos de vista divergentes aos seus interesses. São anos de negação da pluralidade, décadas de imposição de comportamentos, de padrões de negação da diversidade do povo brasileiro.

Esses grupos de empresas se opõem a qualquer forma de regulamentação da comunicação e se valem da bandeira da liberdade de expressão para validar seus interesses. Chegaram a formular o termo “liberdade de expressão comercial” com o propósito de manter seus privilégios e usam seus tentáculos de formação de opinião para confundir com censura qualquer debate sobre a democratização da comunicação.

Ao contrário do que pregam, a democratização da comunicação é uma luta de anos do povo brasileiro e pretende garantir o caráter público do setor, o direito de todo e qualquer cidadão a se comunicar. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), inclusive, trabalha nesse sentido há mais de trinta anos. A sociedade, desde o início do governo Dilma, cobra a publicação da consulta pública de um projeto do novo marco regulatório das comunicações, pois o Código Brasileiro das Telecomunicações, de 1962, está ultrapassado, cria lacunas e conflitos no exercício da comunicação no país. Não atende aos padrões internacionais de liberdade de expressão e à própria Constituição, assim como não faz jus ao novo momento tecnológico e de convergência digital.

A proposta de projeto entregue pelo governo Lula ao Ministério das Comunicações na transição entre governos foi elaborada a partir das centenas de propostas aprovadas, em 2009, na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), encontro que mobilizou mais de 30 mil pessoas de vários setores: centrais sindicais, movimentos populares do campo, movimentos estudantil, de lésbicas, gays e transexuais, universidades, governo e empresariado. Foi um momento de consulta e diálogo, importante para o avanço e enraizamento da democracia. No entanto, todo o esforço enfrenta neste momento a postura do Ministério das Comunicações de não levar adiante o debate.

Neste ano, infelizmente, a referida pasta tomou partido dos interesses do empresariado divulgando, na mesma imprensa oligopolizada, a impossibilidade em se realizar o debate sobre a regulamentação do setor até 2015. E mais: saiu em defesa de políticas que beneficiam outro oligopólio, o das telecomunicações, setor que obteve lucro líquido de R$ 991,4 bilhões, de 2005 a 2012, e que penaliza o cidadão brasileiro com uma das tarifas mais caras do mundo.

Para a sociedade, esta situação só reforça a necessidade de fazer crescer a luta pela democratização da comunicação no país. Capitaneada pelo FNDC, a campanha “Para Expressar a Liberdade” proporá à sociedade um projeto de lei de iniciativa popular para a reforma da legislação de comunicação brasileira. A ação, apartidária, já tem o apoio de mais de cem entidades do país e levará ao povo brasileiro o conhecimento de seus direitos e a decisão respeitar a Constituição.

Rosane Bertotti é coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e Secretária Nacional de Comunicação da CUT, integra o Conselho de Redação de Teoria e Debate

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