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O risco da deterioração nos fundamentos econômicos é alcançar o que ainda está bem: o emprego. Pesquisas já mostram o crescimento do medo de perda do emprego

O governo parece ter perdido as rédeas da economia. Tanto no front interno quanto no externo os rombos só crescem. O que não cresce é a atividade econômica, tampouco decresce a inflação. E o que deveria estar forte e cumprindo função estratégica ao desenvolvimento é enfraquecido, como no caso das duas principais estatais, Petrobras e Eletrobrás, entupidas de dívidas e tendo de gerar recursos crescentes para satisfazer o sistema financeiro, desviando-se de suas atividades.

Contas públicas

O governo não tem um plano para equacionar o crescente rombo fiscal, mas afirma que vai cumprir o resultado primário de 1,9% do PIB. A perda de rumo nessa questão está no Banco Central (BC), que desde abril do ano passado continua a elevar a Selic, cuja taxa média, este ano, deverá superar em cerca de 30% a que vigorou em 2013. Com isso, a despesa com juros do setor público poderá ultrapassar 6% do PIB, levando o resultado fiscal a um déficit de mais de 4% – o pior desde 2003. A relação dívida bruta-PIB, nessa projeção, ultrapassará 60% do PIB, entrando em terreno perigoso. Ao elevar a despesa com juros, estreita-se o espaço fiscal para destinar recursos para a área social e para os investimentos em infraestrutura.

Ocorre, no entanto, que a questão fiscal se agravará ainda mais, uma vez que:

  • os governos estaduais e municipais aceleram despesas em anos de disputa eleitoral, pois as pessoas têm pouca clareza sobre a responsabilidade de cada instância do Poder Executivo em cada área. Problemas como de falta de segurança, de responsabilidade dos estados, acaba resvalando para o governo federal. Se a saúde vai mal, sob responsabilidade conjunta da União, estados e municípios, idem;
  • haverá crescimento dos investimentos a cargo dos estados, em razão do afrouxamento nas regras de endividamento feito pelo governo federal no ano passado;
  • há forte probabilidade de o Senado aprovar nova regra para a dívida dos estados e municípios perante o governo federal, o que reduzirá o fluxo futuro de receitas dos estados para a União. Como esta é deficitária, seu endividamento será elevado, gerando mais juros;
  • o populismo tarifário nas contas de energia elétrica, aliado à prolongada seca que forçou a entrada em operação das usinas termelétricas, resultará em elevação de despesas, que apenas no primeiro trimestre já alcançaram R$ 10 bilhões.

Tudo somado, é provável que o superávit primário prometido não alcance nem 1,5% do PIB, o que levaria o déficit nas contas públicas na direção de 5% do PIB. É flertar com o fracasso fiscal que marcou o governo FHC.

Contas externas

Nas contas externas há forte probabilidade de ser superado o rombo de US$ 82 bilhões ocorrido no ano passado. Contribuem para isso vários fatores:

  • O mercado externo continua desfavorável para colocação dos produtos brasileiros nos mercados de destino devido ao acirramento da concorrência internacional, em que há superoferta de bens;
  • A redução do crescimento chinês vem afetando os preços das commodities, com consequências sobre parte ponderável da exportação de produtos básicos;
  • A crise em países da América Latina, especialmente na Argentina e na Venezuela, dois importantes destinos da região, vai reduzir a exportação de produtos industriais;
  • Tende a crescer o déficit nas contas de combustíveis, fruto da política de subsídio forçado à Petrobras para a gasolina e o óleo diesel.

Inflação

O índice de difusão, que mede o percentual de itens que registraram crescimento de preços no mês, caminha ao redor de 70%, demonstrando forte espalhamento de remarcações. Segundo algumas análises, isso decorre do represamento de preços que o governo vem fazendo nas contas de energia elétrica e nos combustíveis, que deverão sofrer correções pesadas após os resultados eleitorais. Agentes econômicos parecem se antecipar ao que ocorrerá. Os alimentos, por sua vez, deverão contribuir de forma desfavorável em consequência da forte seca destes primeiros meses do ano. Não será de estranhar se a inflação, em face de tudo isso, vier a ultrapassar o teto da meta, de 6,5%, o que seria um problema para as pretensões eleitorais da presidenta.

Crescimento

O governo fez várias tentativas para a economia crescer. Lançou os programas para os modais de transporte (rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário) sob a forma de concessões, entregando à iniciativa privada a condução para “desengargalar” a infraestrutura. Dessa forma, reconheceu sua incapacidade operacional e financeira de resolver questões estratégicas ao desenvolvimento econômico. Desonerou os encargos sociais da maioria dos setores econômicos ao reduzir a zero a cota patronal do INSS, substituindo-a por um percentual entre 1% e 2% do faturamento da empresa. A conta, que deveria ser só do Tesouro Nacional, está sendo paga também pela Previdência Social, o que faz com que sua situação piore, elevando o rombo fiscal – e abrindo espaço para o golpismo em cima dos direitos dos segurados, para gáudio do PSDB, partido que lidera a pressão por nova rodada de redução de direitos dos beneficiários da principal política de seguridade social do país.

No entanto, da sua principal estratégia, que era levar as taxas de juros, tanto a básica (Selic) quanto a cobrada pelo sistema financeiro, a nível internacional, o governo recuou. De 10,75% ao ano no início do governo Dilma, a Selic chegou a cair para 7,25% (menor nível histórico) por alguns meses, para a partir de abril do ano passado subir sucessivamente em todas as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). Atualmente está em 11%, podendo até crescer mais. Com isso, derrubou a tese de que a taxa básica pode ficar abaixo de 2% ao ano excluída a inflação – e será mais difícil tentar reconquistar isso. Nos países emergentes, há vários anos a taxa de juros vem acompanhando o nível da inflação e, nos países desenvolvidos, tem ficado até abaixo, com juro real negativo. Mas o maior dano ao crescimento se faz com a taxa de juros ao consumidor, que desde março do ano passado vem crescendo ininterruptamente, tendo alcançado 98,1% em março, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Isso expõe o consumidor a pagar o dobro do preço de um produto se precisar financiar a compra por período de doze meses. É evidente que dessa forma a economia não pode deslanchar. É o mesmo que ter um carro potente rodando com o freio de mão puxado.

Além disso, a política cambial praticada desde o Plano Real é tentar manter a moeda valorizada como forma de baratear o produto importado. A empresa local, que já tem pesada carga tributária e de juros para desenvolver suas atividades, passa a ter contra si também o câmbio, precisando enfrentar a forte concorrência externa num mudo superofertado, o que facilita a penetração do produto estrangeiro. E o deslocamento da compra das famílias para o produto importado faz, obviamente, cair o PIB. O fator externo (evolução das exportações menos a das importações) vem retirando 1,1 ponto percentual do crescimento econômico, por ano, desde 2008. Como no período de 2008 a 2013 o crescimento médio anual foi de 3,5%, o fator externo roubou 32% do PIB.

O risco que há nessa deterioração nos fundamentos econômicos é alcançar o que ainda está bem, que é o emprego. As mais recentes pesquisas já apontam para crescimento do medo de perda do emprego. Caso isso siga piorando – e as pesquisas revelam a continuação da queda da popularidade da presidente –, será difícil evitar um segundo turno, em que se igualam as oportunidades de tempo entre os dois primeiros colocados. A palavra de ordem é mudança, e isso ainda parece desconhecido às pretensões do Planalto. Mais do mesmo é receita certa para o fracasso. A conferir.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor