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A lógica da reprodução do capital está impondo a redução/estagnação do consumo em países que apresentam fraca posição competitiva e dívidas elevadas

Há quatro anos se arrasta a crise grega. É apenas a ponta do iceberg que atinge toda a Europa.

Para tentar uma saída para a crise grega e evitar o calote integral de sua dívida, os bancos credores vão ter de aceitar um deságio de cerca de 70% no valor dos empréstimos feitos ao governo. Problemas fiscais, decorrentes da crise de 2008, atingiram outros países. Irlanda e Portugal receberam, como a Grécia, injeções de empréstimos do Banco Central Europeu (BCE), FMI e Comissão Europeia. Espanha e Itália estão na linha de tiro como maior ameaça de calote nas dívidas soberanas. A França, segunda maior economia da zona do euro, também está sob ameaça, só sobrando a Alemanha, cuja economia, neste ano, está estagnada.

Como medida para combater uma crise bancária decorrente dos calotes nesses países, o BCE realizou em 21 de dezembro uma grande operação de liquidez, através de empréstimos a 523 bancos da zona euro, de € 489 bilhões, com prazo de três anos e juros à taxa reduzida de 1%. Como esses recursos não foram suficientes para ativar a economia e salvar o sistema bancário da bancarrota, o BCE em nova operação no dia 1º deste mês, emprestou € 530 bilhões a 800 bancos, com condições igualmente favoráveis.

O objetivo declarado é injetar dinheiro na economia para estimular o crescimento por meio de crédito às empresas e aos consumidores. Mas o objetivo imediato é tentar salvar os bancos do entulho de títulos podres dos governos.

O problema é que boa parte desses euros poderá fluir para os países emergentes, que oferecem taxas de juros mais atrativas. Nesse sentido, o Brasil deverá ser o preferido. Mas o governo está alerta para tentar conter essa enxurrada de euros que apreciaria o real, reduzindo ainda mais a competitividade das empresas. Prepara um arsenal de medidas, entre as quais a tributação pesada sobre os ganhos financeiros que pretendem os investidores estrangeiros.

Será que essas operações do BCE serão capazes de salvar a zona do euro? Não creio, pois só empurram o problema para a frente, e expõem o BCE a ficar com os títulos podres dos governos. O condicionante estrutural da crise, no meu entender, reside no processo de globalização, que acirrou a competição internacional entre as empresas e direcionou o capital para países que oferecem melhores condições de sua reprodução, pela via comercial, na economia real, e na financeira, nos ganhos com taxas de juros em aplicações em títulos dos governos. Esses países são os emergentes, que há vários anos vêm crescendo a taxas bem superiores às dos países desenvolvidos. Estes têm procurado reativar seu consumo interno com taxa de juro praticamente zero, deixando de ser atrativos na disputa pelas aplicações financeiras em títulos públicos.

Assim, a lógica da reprodução do capital está inexoravelmente impondo a redução/estagnação do consumo em países que apresentam fraca posição competitiva internacional e déficits fiscais com dívidas elevadas, caso de boa parte dos países da zona do euro.

Dentro dessa visão, cada um deles só conseguirá relançar sua economia depois de longo período de ajuste na posição competitiva internacional. Sob o aspecto fiscal, não há como escapar de um deságio elevado ou total nas dívidas soberanas. Sob o aspecto econômico, infelizmente, o ajuste está ocorrendo por meio da redução do consumo interno, decorrente dos altos e crescentes níveis de desemprego, com reflexos sociais e políticos preocupantes.

A Grécia, assim, deve ser vista não como um problema isolado de país de baixa viabilidade competitiva, mas como um desses países da zona do euro expostos à lógica concorrencial gerada pela globalização comercial e financeira.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor